Investigadores da Nemours Children’s Health, nos Estados Unidos, descobriram, num estudo publicado na revista Cancer Research Communications, que a administração de injeções com o vírus Zika em tumores de neuroblastoma reduziu ou eliminou esses tumores em testes realizados com ratinhos em laboratório. Isto indica que, no futuro, o vírus poderá servir como uma terapia eficaz contra este tipo de cancro pediátrico, disseram os autores do estudo.
O neuroblastoma é um cancro infantil raro que normalmente se desenvolve no sistema nervoso simpático ou nas glândulas suprarrenais e pode ter uma alta taxa de sobrevivência. No entanto, o neuroblastoma de alto risco tem um impacto desproporcional, causando 15% das mortes por cancro infantil.
“Mais da metade dos pacientes com neuroblastoma de alto risco não respondem à quimioterapia ou à radiação, ou respondem inicialmente, mas desenvolvem uma recidiva”, explicou a autora sénior do estudo, a cirurgiã pediátrica Tamarah Westmoreland da Nemours Children’s Health. “Esses pacientes precisam urgentemente de novas opções de tratamento”, frisou.
Nos últimos anos, os investigadores descobriram que o vírus Zika, transmitido por mosquitos, pode ser potencialmente utilizado para matar células cancerígenas. As infeções pelo vírus Zika em mulheres grávidas podem causar defeitos congénitos graves, uma vez que o vírus tem como alvo o CD24, uma proteína do desenvolvimento.
Estudos anteriores sugeriram que certos tipos de cancro que expressam a proteína CD24 também são vulneráveis ao vírus Zika, abrindo a porta para que este agente patogénico seja usado como tratamento oncológico. Neste estudo, Westmoreland e o primeiro autor Joseph Mazar, cientista da Nemours Children’s Health, avaliaram o potencial do Zika contra o neuroblastoma.
Os investigadores estudaram ratinhos com tumores de neuroblastoma que expressavam níveis elevados de CD24. Eles injetaram em metade dos roedores uma solução salina e na outra metade o vírus Zika. Os tamanhos dos tumores foram monitorizados três vezes por semana depois da intervenção.
O estudo mostrou que todos os roedores tratados com o vírus Zika sofreram uma perda quase total do tamanho do tumor. A dosagem mais alta testada resultou na eliminação completa do tumor, o que foi confirmado por um patologista pediátrico independente da Nemours. Em quatro semanas de acompanhamento, não houve recidiva do tumor. Além disso, os ratinhos não desenvolveram quaisquer sintomas de infeção pelo vírus Zika ou quaisquer efeitos secundários.
Para determinar se o tratamento com o vírus Zika provavelmente ajudará os pacientes humanos a sobreviver por mais tempo, os cientistas desenvolveram modelos de ratos com tumores de neuroblastoma humano, tratando-os com o vírus Zika ou com uma solução salina.
Vinte e oito dias após o tratamento, todos os tumores tratados com a solução salina cresceram até 800%. Já os modelos de tumor que receberam o Zika diminuíram para aproximadamente 12% da massa original, o que foi confirmado como representando tecido cicatricial em vez de células tumorais. Após quatro semanas adicionais, não foi detetado mais crescimento tumoral, sugerindo que os pacientes tratados com o vírus Zika teriam maior probabilidade de sobreviver.
Os investigadores alertaram que o uso do vírus Zika como terapia contra o cancro exigirá extensos estudos adicionais que abrangem segurança e eficácia. Atualmente, eles estão a testar um tratamento com o vírus Zika em glândulas suprarrenais de ratinhos que desenvolveram neuroblastoma, imitando a localização mais típica do neuroblastoma em humanos.
“Com validação adicional, o vírus Zika poderá ser uma terapia extremamente eficaz para pacientes com neuroblastoma de alto risco”, disse Mazar. “Também vemos potencial para o uso do vírus Zika no tratamento de crianças e adultos com outros tipos de cancro que expressam altos níveis de CD24”, acrescentou.
“Temos esperança de que este estudo abrirá o caminho para uma melhor sobrevida de pacientes com neuroblastoma”, afirmou Matthew M. Davis, diretor científico da Nemours Children’s Health.
Sobre o vírus Zika
O vírus Zika foi identificado pela primeira vez em macacos no Uganda em 1947 e detetado pela primeira vez em humanos em 1952. Disseminado pela picada de um mosquito infetado, o vírus Zika pode ser transmitido de uma mulher grávida para o seu feto, pois o vírus tem como alvo o CD24, uma proteína do desenvolvimento.
A infeção durante a gravidez pode causar defeitos congénitos, incluindo cabeça pequena e cérebro subdesenvolvido. Embora a infeção pelo vírus Zika seja mais comum nas regiões tropicais, os Estados Unidos registaram um aumento no número de casos em 2016 e 2017, principalmente na Flórida e no Texas.
Na maioria dos humanos, a infeção pelo vírus Zika resulta em sintomas leves semelhantes aos da constipação. A maioria das pessoas infetadas com o vírus nunca desenvolve sintomas.
Este estudo baseia-se numa investigação de 2018 realizada por Westmoreland, Mazar e Kenneth Alexander, líder da Divisão de Doenças Infeciosas da Nemours Children’s Health. Essa investigação estabeleceu o precedente de que o vírus Zika poderia matar células de neuroblastoma.
O vírus Zika também foi estudado como um tratamento potencial para o glioblastoma, um cancro cerebral mortal.
Fonte: Medical Xpress