Sempre que perguntava aos médicos sobre o caroço no polegar direito do filho, Kim Webb ouvia a mesma resposta: “Isso não é nada. Não se preocupe”.
Mas os médicos estavam errados.
Em janeiro de 2018, depois do nódulo ter aumentado para o dobro do tamanho, o que levou à sua remoção, o médico de Connor, de 16 anos, telefonou à sua mãe, para a informar de que o filho tinha sido diagnosticado com um sarcoma epitelioide, um cancro dos tecidos moles de crescimento lento.
“Foi o pior dia da minha vida”, relembra Kim. “Só me lembro de me sentar no carro e chorar”.
Depois de fazer uma série de exames, Connor foi sujeito a uma cirurgia para a ressecção completa do tumor e um pouco de tecido circundante para evitar a recorrência.
O adolescente recuperou por completo a função do seu polegar e, desde julho, que os exames não mostram vestígios da doença.
“Somos uns sortudos”, diz Kim.
Mas o sarcoma epitelioide esconde um terrível segredo: na maioria dos casos, o cancro volta, mesmo que décadas depois; e quando regressa, cresce agressivamente e não existem fármacos capazes de o travar.
“Apesar das boas notícias, nós continuamos às escuras”, afirma Kim, que cedo percebeu que precisava de fazer algo para encontrar uma cura para o cancro do filho, antes que este regresse.
Sarcoma epitelioide atinge 100 pessoas por ano
O sarcoma epitelioide é extremamente raro, afetando, no máximo, 100 pessoas por ano. Destes casos, 10% ocorrem em crianças e adolescentes.
Se a pesquisa para a cura do cancro pediátrico já é escassa, em casos de cancros raros, a situação ainda é pior, pois o pequeno número de pacientes significa que há menos motivação para alocar recursos que estudem as doenças e que sirvam para desenvolver novos tratamentos.
Em casos como o da família Webb, em que os filhos são diagnosticados com cancros que não têm tratamentos aprovados para além da cirurgia, radiação e quimioterapia, por vezes parece que não há nada a fazer, a não ser esperar.
Mas algumas dessas famílias encontraram um novo aliado na sua luta: o Children’s Cancer Therapy Development Institute, um laboratório de biotecnologia norte-americano, sem fins lucrativos, que reúne famílias e investigadores de forma a impulsionar a pesquisa.
Incentivos ao desenvolvimento de fármacos não são suficientes
Em 2016, o Creating Hope Act introduziu incentivos para a indústria farmacêutica investir em doenças infantis raras.
O problema é que o cancro infantil oferece pouco retorno para o investimento que é feito no desenvolvimento de medicamentos em comparação a, por exemplo, cancro da ou do cólon, onde o número de pacientes atinge “centenas de milhares, ao invés de ‘apenas’ centenas”, diz Jim Geller, oncologista do Hospital Infantil de Cincinnati.
Como há tão poucos casos, “os testes não podem ser realizados rapidamente, nem se podem realizar vários testes com a mesma doença tão facilmente como quando se trata de cancro em adultos”, referiu o médico.
A verdade é que existe um número muito escasso de ensaios clínicos a serem realizados em crianças, o que significa que as famílias não têm muitas opções quando os seus filhos ficam doentes.
Desde 1978, foram aprovados apenas 6 medicamentos para o cancro infantil pelo regulador de saúde norte-americano (FDA); em comparação, para os vários tipos de cancro em adultos são aprovados dezenas de novos tratamentos por ano.
Preencher a lacuna que existe na pesquisa
Para muitas famílias que enfrentam um diagnóstico de cancro infantil, o desespero é, por vezes, a sua única solução para chamar a atenção da indústria.
O Children’s Cancer Therapy Development Institute adotou uma abordagem mais coordenada, que tenta canalizar o desespero das famílias para transformar e incentivar a pesquisa sobre o cancro pediátrico.
Em menos de três anos, o instituto já conseguiu dar início a 3 ensaios clínicos.
Fundado por Charles Keller, o Children’s Cancer Therapy Development Institute foi criado para preencher aquilo que o seu fundador chama de “lacuna pré-clínica” na pesquisa sobre o cancro infantil, que é o ato dos “fármacos definharem em laboratório porque os cientistas não são incentivados a fazer experiências”.
“Todos os documentos e concessões no mundo não significam nada se não pudermos inserir fármacos em testes clínicos”, disse Keller, especialista em biologia de sarcomas infantis.
“Nós usamos os nossos relacionamentos com as famílias para tentar quebrar este ciclo”.
O Instituto está equipado com pequenos exércitos de pais que ajudam a moldar a agenda da pesquisa, compartilhando o que sabem sobre estas doenças.
“Quanto mais falamos com as pessoas, mais percebemos que elas têm muitas ideias e que querem, de facto, ajudar a alavancar estas pesquisas”, frisou o médico.
Uma das formas pelas quais as famílias participam é fazendo um pequeno curso sobre cancro pediátrico; nesse curso, totalmente grátis, famílias, estudantes e a população em geral aprendem com especialistas do mundo, e debatem qual o melhor caminho para a cura.
Após o curso, os participantes vão em busca de fundos que sirvam para educar as comunidades e para ajudar a organizar doações de tecido tumoral para laboratórios que possam criar culturas de células e modelos de ratos.
O Instituto administra o seu próprio programa, intitulado CuRe-FAST, para que as famílias contribuam com amostras de tumores para um registo que possa ser usado por cientistas de todo o mundo.
A abordagem centrada no paciente do Instituto combina o rigor de um laboratório académico com a flexibilidade de uma startup.
Em vez de depender apenas de bolsas académicas que exigem que os cientistas apliquem o financiamento em programas de pesquisa específicos, o instituto também recebe dinheiro de fundações e de outras fontes filantrópicas que não possuem tais restrições.
Este pormenor permite que a pesquisa se mova com agilidade para “acompanhar o que está a funcionar e evitar aquilo que não tem sucesso”.
Muitas ideias morrem porque não há financiamento
E as famílias com as quais o instituto trabalha são muitas vezes fundamentais para conseguir esse financiamento.
Nos Estados Unidos, apenas 4% dos fundos governamentais para a pesquisa sobre o cancro destina-se ao estudo do cancro infantil.
“Muitas boas ideias acabam por morrer porque não existe dinheiro”, relembra o oncologista Jim Geller.
“Neste aspeto, as fundações podem ajudar dando aos cientistas juniores financiamento piloto para alguns anos de dados que os ajudarão a competir por concessões governamentais maiores. Muitas dessas são iniciadas pelos pais das crianças”, explica.
No ano passado, mais da metade do orçamento do Children’s Cancer Therapy Development Institute adveio de fundações.
“Já somos capazes de criar o nosso próprio exército”
Voltemos a Kim Webb.
Dias depois do fatídico telefonema sobre o cancro de seu filho, e desesperada por novas informações, Kim juntou-se a dois grupos do Facebook dedicados ao sarcoma epitelioide.
“Eu tive que pesquisar tudo, pois queria entender o que podia fazer para ajudar o meu filho”, conta.
Um desses grupos foi criado por Andy Woods, um empreiteiro, cuja filha de 11 anos sofria de uma grave forma de tumor de Wilms, um cancro renal infantil.
Woods tornou-se ativo na pesquisa e compartilhamento de informações sobre outros cancros. Através de mensagens no Facebook, este empreiteiro ajudou Kim e, eventualmente, deu-lhe a conhecer o Children’s Cancer Therapy Development Institute, onde agora trabalha.
Kim convenceu mais 3 famílias para juntarem-se a ela no curso deste ano, que se concentrou no hepatoblastoma e no sarcoma epitelioide.
“Aprendi mais sobre o sarcoma epitelioide, e outros cancros raros, numa semana no Children’s Cancer Therapy Development Institute do que nos últimos 2 anos e meio desde o diagnóstico do meu filho”, contou Jill Cook, outra mãe cujo filho foi diagnosticado com a doença.
Desde o curso, as famílias criaram uma plataforma de captação de recursos, um grupo focado em pesquisa no Facebook e estão a realizar teleconferências semanais para construir um website.
Mas, mais importante, as famílias encontraram apoio umas nas outras.
“Todos nós estávamos sozinhos. E não é possível conquistar-se o que quer que seja quando se está sozinho”, disse Kim.
“Mas com toda esta ajuda, já somos capazes de criar o nosso próprio exército”.