Com cada vez mais pessoas a sobreviverem ao cancro, especialistas começam a questionar-se sobre qual a melhor forma de apoiar estes sobreviventes, um desafio premente dos sistemas de saúde a nível mundial.
Se até aqui o foco da pesquisa sobre o cancro centrou-se no tratamento, agora, afirmam os investigadores, são necessárias mais pesquisas sobre os requisitos específicos de assistência e suporte dos sobreviventes.
Para muitas pessoas, a palavra “cancro” continua a ser dita em voz baixa, devido ao medo que evoca. E é fácil perceber o porquê: estima-se que todos os anos, só na Europa, 1,9 milhão de pessoas morrem de cancro, o que representa cerca de um quinto de todas as mortes na região.
Poucas pessoas podem dizer que as suas vidas não foram afetadas pela doença, pessoalmente ou através de amigos e familiares.
Mas, ao mesmo tempo, as taxas de mortalidade têm, felizmente, diminuído nos últimos 5 anos. Uma maior consciencialização, aliada a melhores diagnósticos e tratamentos, ajudam mais pessoas a sobreviver e a viver mais.
Mas essas taxas decrescentes de mortalidade também significam que, cada vez mais, a sociedade acolhe um maior número de sobreviventes, com as suas próprias necessidades e exigências; e é precisamente essa área, a de como apoiar e cuidar deste grupo crescente de pessoas, que ainda é muito pouco explorada.
“Hoje em dia, 4 em cada 5 crianças diagnosticadas com cancro sobreviverão por mais de 5 anos após o diagnóstico“, disse Leontien Kremer, pediatra no Centro de Oncologia Pediátrica Princess Máxima, na Holanda.
“Cerca de 75% desses sobreviventes terão, a longo prazo, um ou mais problemas de saúde, geralmente devido aos tratamentos que receberam. Esses problemas variam entre insuficiência cardíaca, devido à quimioterapia que os pacientes receberam, a doenças malignas secundárias como resultado da radioterapia”.
Os efeitos a longo prazo
Esses efeitos a longo prazo do cancro e do seu tratamento são um problema crescente, não apenas para os sobreviventes de cancro infantil, mas também para os adultos. Os tratamentos agressivos de quimioterapia e radioterapia podem ter efeitos secundários duradouros, já a cirurgia pode levar a problemas crónicos. Os pacientes também podem sofrer de fadiga crónica, além de problemas de saúde mental, como transtorno de stress pós-traumático e depressão.
“No geral, a nível psicológico, os sobreviventes estão equiparados ao resto da população, mas em certos subgrupos, como os sobreviventes de tumores cerebrais, verifica-se a existência de mais problemas psicológicos”.
Ao contrário dos adultos mais velhos, as crianças que sobrevivem ao cancro podem ter que conviver com esses problemas muitas décadas após terem recebido tratamento; atualmente, existem na Europa cerca de 300 mil sobreviventes de cancro infantil.
Para Leontien Kremer, o paradigma tem que mudar, uma vez que muitos oncologistas pediátricos continuam focados apenas no tratamento das crianças, tendo menos consciência dos cuidados de que essas mesmas crianças precisarão quando se tornarem adultos.
“Já conseguimos identificar quase 80 doenças diferentes que podem afetar os sobreviventes, incluindo problemas de fertilidade e problemas intestinais”.
O tipo de problemas de saúde dos quais os sobreviventes podem sofrer ainda não são totalmente compreendidos; por exemplo, ainda não está claro de que forma a dosagem do tratamento afeta a fertilidade ou qual o mecanismo que faz com que a radioterapia interaja com outros tratamentos, danificando os órgãos.
As necessidades dos sobreviventes
De acordo com o World Cancer Research Fund, muitas das recomendações dadas a sobreviventes em relação à dieta e ao estilo de vida são simplesmente extrapoladas daquelas existentes para a prevenção da doença.
Isso faz com que muitas das necessidades específicas dos sobreviventes sejam negligenciadas.
Atualmente, Leontien Kremer lidera um projeto, intitulado PanCareFollowUp, que visa melhorar o acompanhamento a jovens adultos que sobreviveram ao cancro infantil.
Usando diretrizes que foram elaboradas com base nas experiências de grupos de sobreviventes de todo o mundo, a quipá de cientistas estão a tentar perceber de que forma podem oferecer cuidados de acompanhamento personalizados para jovens sobreviventes.
Isso inclui não apenas descobrir quais as triagens regulares que os diferentes sobreviventes precisam, mas também que outros tipos de apoio eles podem precisar.
Na Holanda, por exemplo, Leontien Kremer e a sua equipa têm trabalhado com empresas de seguros médicos para tentarem dar aos sobreviventes “o direito a serem esquecidos”; ou seja, os cientistas propõem que, a partir do momento em que os sobreviventes estejam livres de cancro por um certo número de anos, lhes sejam permitidas as mesmas regalias que à população em geral. Esse direito já foi consagrado em França, Bélgica e Luxemburgo, no ano passado.
“Também nos apercebemos que, por vezes, é muito difícil para os sobreviventes encontrarem trabalho, ou pelas deslocações constantes aos médicos, ou pelas dores crónicas que os afetam. Estamos a tentar encontrar maneiras de os ajudar a superar esses problemas”.
O apoio é fundamental
Atualmente, na Europa, existem grandes diferenças entre os vários países em relação à quantidade de cuidados que os sobreviventes recebem.
Em algumas áreas, os estigmas e os tabus em torno do “cancro” também impedem as pessoas de ter acesso a todos os serviços de apoio de que precisam.
“Os sobreviventes podem ter cicatrizes dentro e fora do corpo que não afetam apenas a sua saúde, mas também a sua confiança. A vida muda muito”, diz Anne Lise Ryel, diretora executiva da Norwegian Cancer Society e membro de um painel europeu dedicado ao cancro.
“A maior parte do foco até agora tem sido o tratamento e a prevenção, mas mais e mais pessoas sobrevivem ao cancro e vivem durante muitos anos. Essas pessoas querem pesquisas que as ajudem a lidar com os vários problemas com que têm de viver. Querem melhorar a sua qualidade de vida, e nós queremos ajudá-las. É verdade que em todos os sobreviventes sofrem de efeitos secundários, mas a pesquisa mostra que um terço das pessoas curadas sofrem”.
Anne Lise também acredita que é necessário um maior esforço para ajudar as famílias dos pacientes e dos sobreviventes, nomeadamente após o tratamento.
“Temos, enquanto sociedade, que aprender a valorizar os cuidados paliativos”, afirma.
“Tratar o cancro é apenas parte da jornada. Precisamos de ajudar as pessoas que estão nesta jornada a navegar, a aprender a lidar com a sua nova normalidade”.
Fonte: Medical Xpress