À medida que o número de casos de crianças com cancro infantil aumenta, e que, segundo algumas investigações, as taxas de sobrevivência em países subdesenvolvidos diminuem, a Organização Mundial da Saúde anunciou, em 2018, a criação de uma Iniciativa Global para o Cancro Infantil.
Recentemente, Manas Kalra, oncologista pediátrico do Hospital Ganga Ram de Nova Delhi, na India, um dos países mais afetados pelo cancro infantil, falou sobre as medidas de precaução que devem ser tomadas.
Pode-nos explicar de que forma o cancro pediátrico difere do cancro em adultos?
De uma forma geral, o cancro infantil é mais facilmente tratável e tem melhores taxas de sobrevivência em comparação com o cancro em adultos. Os tipos de cancro diagnosticados em crianças e em adultos também são diferentes: por um lado, as crianças são mais frequentemente diagnosticadas com cancros do sangue, linfomas e tumores cerebrais; já os adultos são mais comummente diagnosticados com tumores sólidos como cancros da mama, próstata, pulmão, boca, estômago e intestino.
Segundo algumas investigações recentes, as crianças toleram a quimioterapia muito melhor do que os adultos e sofrem com menos efeitos secundários, sejam eles físicos ou psicológicos. Costumo dizer que todas as crianças têm um super-herói dentro delas. Elas não se preocupam com a aparência, não têm tanta noção (na maioria das vezes) do impacto do cancro nem estão tão preocupadas com o futuro. São muito mais inocentes do que os adultos. E essa forma de estar na vida, a meu ver, tem um impacto muito positivo nos seus tratamentos.
Quais são as razões para o desenvolvimento do cancro em crianças tão jovens?
Pouco se sabe sobre a causa do cancro infantil e menos ainda sobre como o prevenir. Apesar de estarmos agora a usufruir de novos conhecimentos, graças a pesquisas intensivas, ainda há muito por descobrir, tanto ao nível do tipo de cancro como ao nível da sua prevenção.
Simplificando, sabemos que o cancro ocorre porque o mecanismo de reparo do corpo é perturbado. Digamos que existem anomalias que acontecem na nossa “máquina celular” que o corpo não consegue reparar e que, em última análise, leva à divisão descontrolada das células.
Falemos de sintomas. Quais são os sintomas a que os pais devem estar atentos para que possam levar o seu filho ao médico o mais rapidamente possível?
De acordo com a minha experiência, deve-se suspeitar de malignidade se a criança apresentar sintomas febris persistentes (estamos a falar de uma a duas semanas) e se todos os testes básicos para infeções e doenças comuns tiverem resultados negativos.
Outros sintomas comuns são dores nos ossos e protuberâncias sentidas em qualquer parte do corpo – mais comummente na barriga, pescoço ou ossos. Essas protuberâncias são geralmente indolores e continuam a crescer.
Em algumas crianças, o cancro também se pode manifestar com dor nas costas, palidez, hematomas e perda de peso inexplicável; também há relatos de estrabismo.
Se estivermos a falar especificamente de tumores cerebrais, é comum as crianças queixarem-se de dores de cabeça recorrentes, vómitos e distúrbios de equilíbrio e de locomoção.
Quais são as hipóteses de recuperação em casos de cancro infantil e quando é que uma criança pode ser declarada livre da doença?
Há 30 ou 40 anos, menos de 20% das crianças diagnosticadas com cancro sobreviviam; um diagnóstico de cancro era considerado uma sentença de morte. Felizmente isso já não acontece.
Os tumores infantis estabeleceram o paradigma moderno para a cura do cancro. A leucemia linfoblástica aguda – o cancro do sangue mais comummente diagnosticada em crianças – é curado em cerca de 80% dos casos com a quimioterapia moderna, que dura entre 2 a 2,5 anos.
Mas isso é relativo, porque a duração do tratamento varia de acordo com o tipo de cancro, com o estadio, com a idade da criança…enfim, são muitos factores envolvidos.
Existe, é claro, uma alta probabilidade de recidiva nos primeiros 5 anos a partir do diagnóstico, mas, após esse período, consideramos o paciente curado.
Para as crianças, como é que é a vida após o cancro? Pode-se dizer que elas vão ter uma vida normal após o tratamento?
O tratamento do cancro infantil é muito desafiador, mas as crianças são muito resistentes e, normalmente, recuperam rapidamente. A perda de cabelo, as mudanças na pele e nas unhas são temporárias e voltam ao normal quando o tratamento termina.
Hoje em dia, a maioria dos cancros infantis são curáveis e são muitas as crianças que vivem uma vida “quase” normal após o término das terapias.
Mas, infelizmente, existem sempre a probabilidade de existirem efeitos secundários. Pela minha experiência, posso dizer que os efeitos tardios do tratamento são mais comuns em casos de tumores cerebrais e ósseos.
Felizmente, embora lentamente, as investigações recentes estão a tentar criar novos tratamentos que combatam o cancro mas que também minimizem esses efeitos secundários.
Fonte: Times of India