De acordo com um novo estudo, o cancro cerebral em bebés que é, biologicamente falando, bastante distinto de outros tipos de tumores cerebrais infantis, pode ser tratado com sucesso recorrendo a medicamentos direcionados.
No caso específico do glioma de alto grau, um tipo de tumor bastante agressivo, este é quase sempre fatal em crianças mais velhas, com apenas 20% a sobreviver 5 anos após o diagnóstico, mas bebés e crianças diagnosticados com menos de 12 meses de idade, tendem a ter um resultado melhor – com cerca de dois terços a sobreviverem 5 anos, ou mais, após o diagnóstico.
Agora, naquele que está a ser considerado o maior e mais abrangente estudo de gliomas infantis feito até ao momento, cientistas descobriram que esses tumores são molecularmente diferentes dos de crianças mais velhas, o que ajuda a explicar o porquê de eles serem menos agressivos em bebés.
Os novos resultados podem ajudar a identificar bebés com tumores cerebrais que podem não ser sujeitos a quimioterapia e, desta forma, ajudar a prevenir os efeitos secundários desta terapia, que podem ser particularmente prejudiciais em cérebros em desenvolvimento.
O estudo constatou que, de uma forma geral, os tumores cerebrais em bebés apresentavam fraquezas moleculares específicas que poderiam ser alvo de medicamentos direcionados já existentes.
Investigadores do Institute of Cancer Research, no Reino Unido, realizaram um estudo em larga escala com 241 bebés, provenientes de todo o mundo, que haviam sido diagnosticados com tumores cerebrais.
O estudo, realizado em parceria com o Hopp Children’s Cancer Center, na Alemanha, o UCL Great Ormond Street Institute of Child Health e o St. Jude Children’s Research Hospita, nos Estados Unidos, descobriu que 130 das 241 amostras de tumores, ou seja, 54%, tinham uma composição genética completamente diferente de outras formas de tumores cerebrais infantis, apesar de serem muito semelhantes ao microscópio.
Cerca de 65 casos, ou metade das crianças com a forma distinta de tumores cerebrais infantis, apresentavam fraquezas moleculares específicas – incluindo fusões de genes ALK e NTRK, que podem ser direcionadas aos medicamentos de precisão existentes.
De seguida, a equipa analisou ratos com tumores cerebrais causados por fusões do gene ALK para comparar o efeito de um medicamento direcionado, o lorlatinib, que funciona bloqueando o ALK, com quimioterapia com temozolomida.
Publicado na revista Cancer Discovery, o estudo descobriu que o lorlatinib encolheu significativamente os tumores em sete dos oito ratos, ou seja, em 88% dos animais, enquanto os tumores nos ratos que receberam quimioterapia continuaram a crescer, embora a um ritmo mais lento.
Os investigadores também desenvolveram “mini tumores” tridimensionais em laboratório a partir de amostras de pacientes e descobriram que aqueles que tinham fusões de NTRK com outros genes eram particularmente sensíveis a medicamentos que bloqueavam o NTRK. Os tumores com essas mutações de fusão foram entre duas e nove vezes mais sensíveis aos tratamentos direcionados com entrectinibe, crizotinibe e milciclibe do que aqueles sem.
Um pequeno número de crianças cujos tumores foram analisados no estudo foi tratado com sucesso com medicamentos direcionados para ALK ou NTRK, oferecendo mais evidências para a promessa de tratamentos direcionados para tumores cerebrais infantis.
Agora, será dado início a ensaios clínicos para testar o benefício dos medicamentos direcionados que bloqueiam as fusões dos genes ALK e NTRK em tumores cerebrais infantis – e para entender melhor a biologia dos tumores que não apresentam essas falhas.
Os novos resultados também devem mudar as diretrizes de diagnóstico da Organização Mundial da Saúde, com tumores cerebrais em bebés a serem classificados separadamente de outros tumores cerebrais na infância.
“O nosso estudo oferece evidências biológicas que nos ajudam a selecionar as crianças com maior probabilidade de obter um melhor resultado, para que essas crianças muito pequenas e as suas famílias possam ser poupadas dos efeitos nocivos da quimioterapia”, disse Chris Jones, um dos autores do estudo.
Segundo este investigador, a análise foi capaz de mostrar que os tumores cerebrais em bebés têm fraquezas genéticas específicas que podem ser direcionadas aos medicamentos existentes; por outro lado, os ensaios clínicos estão a ser planeados para testar o benefício desses medicamentos de precisão como tratamento de primeira linha o mais rápido possível.
“Os tumores cerebrais que surgem nas crianças mais jovens tendem a ter melhores resultados do que aqueles que surgem em crianças mais velhas e, felizmente, o nosso estudo conseguiu explicar essa diferença a um nível biológico. Atualmente, apesar dos efeitos secundários, a quimioterapia é uma boa opção de tratamento para bebés com tumores cerebrais – mas o nosso estudo descobriu que algumas crianças podem ser poupadas desse tratamento. Com mais testes, espero que os medicamentos direcionados existentes possam expandir o nosso arsenal de opções para tratar estes pacientes”, explicou Matthew Clarke, outro dos cientistas envolvidos no estudo.
Já Paul Workman, diretor executivo do Institute of Cancer Research acredita que a pesquisa oferece uma melhor compreensão da biologia dos tumores cerebrais em bebés ao descobrir que eles podem potencialmente ser tratado com novos medicamentos direcionados; esta é uma informação de uma “importância vital”, uma vez que os bebés são particularmente vulneráveis aos efeitos secundários dos tratamentos padrão, como a quimioterapia.
“É especialmente cruel quando o cancro afeta crianças tão pequenas, por isso é encorajador que este estudo ofereça alguma esperança para pacientes muito jovens e suas famílias.”
Fonte: Eurekalert