Quando, aos 17 anos de idade, o irlandês Alan Gorman começou a ter dores nos pés durante os primeiros meses de faculdade, o seu médico atribuiu os sintomas uma dieta desequilibrada e a exercício insuficiente, pois era a primeira vez que o jovem estava a morar fora da alçada dos seus pais.
Mas nem os suplementos vitamínicos recomendados nem uma consulta com um segundo médico resolveram o problema.
Até que, numa sexta feira, a duas semanas do Natal de 2008, a mãe de Alan insistiu que o seu filho fosse a uma consulta de urgência.
Chegado ao centro de saúde, o médico começou a perguntar-lhe sobre outros sintomas, como “suores noturnos e outras coisas que eu nem tinha associado”, relembra o jovem.
Quase que instantaneamente, o médico disse a Alan que ele precisava de ir para o Beaumont Hospital.
“A enfermeira ainda me disse que, como era sexta feira, mais valia eu adiar a minha ida ao hospital até segunda feira. Mas o médico fitou-a com um ‘olhar ameaçador’ e disse ‘Não, tu vais hoje, sem falta, para o hospital’”.
A partir daí, a vida de Alan mudou radicalmente. O jovem foi diagnosticado com um linfoma de Hodgkin, um cancro do sistema linfático que pode ter início em qualquer parte do corpo.
O jovem começou os tratamentos quase imediatamente e foi aconselhado a abandonar a faculdade, pois estaria muito mais propenso a infeções.
Terminada a quimioterapia, Alan matriculou-se novamente na faculdade mas, em setembro de 2009, um exame revelou que o cancro havia recidivado, pelo que o jovem precisaria de iniciar uma nova ronda de tratamentos que, desta vez, incluiria radioterapia.
“Mais uma vez tive que desistir da faculdade. Foi nessa altura que comecei a sentir-me a enlouquecer”.
A radioterapia também não funcionou, pelo que Alan foi sujeito a um autotransplante de células estaminais, no Hospital St James’s.
“Depois do transplante, os médicos acreditaram que eu ficaria curado”, mas não foi isso que aconteceu. O jovem teve de ser sujeito a mais um transplante, desta vez com células estaminais doadas. Para além disso, e apesar de, na altura, o medicamento não estar aprovado para pacientes pediátricos, Alan começou a fazer tratamento com o fármaco Brentuximab.
Hoje, Alan está em remissão.
“Sinto-me a 85%. Estou a tentar voltar à pessoa que sempre fui, mas tenho a certeza que nunca estarei a 100%”, afirma o jovem, que devido aos inúmeros tratamentos a que foi sujeito perdeu a visão no olho direito, teve de fazer uma substituição do quadril e tem problemas dentários.
Para aqueles que sobreviveram a um cancro na infância ou adolescência, o que acontece depois raramente é contado.
Alan, agora com 28 anos, não pode criticar o sistema de saúde pelo tratamento que recebeu, mas critica a falta de cuidados de acompanhamento coordenados que (não) tem recebido desde que se tornou um “sobrevivente”.
É por casos como o de Alan, que a Irlanda irá fazer uma avaliação nacional das necessidades dos sobreviventes de cancro, cujos resultados completos devem ser publicados em breve, e que analisou a experiência pós-tratamento de pacientes jovens e dos seus pais.
Cerca de 200 crianças e jovens adolescentes, com idades entre os 0 e os 16 anos, são diagnosticados todos os anos com cancro na Irlanda, sendo que quase todos são encaminhados para o Our Lady’s Children’s Hospital Crumlin; com uma taxa de sobrevivência de mais de 80%, existe uma necessidade crescente de apoio adequado ao longo da vida útil, para problemas que variam entre o foro psicológico e social, a fertilidade ou financeiros.
“Neste momento estamos a olhar para os ‘desafios do sucesso’”, diz Patricia McColgan, co-fundadora da CanCare4Living, uma organização criada há 5 anos que pretende defender os jovens sobreviventes de cancro.
O seu filho foi diagnosticado com cancro aos 14 anos de idade, e Patricia tem feito campanhas incansáveis por cuidados de longo prazo apropriados que permitam que os sobreviventes “vivam as suas vidas em pleno”.
Michael Capra, oncologista pediátrico do Our Lady’s Children’s Hospital Crumlin, enfatiza a importância da criação de um serviço de acompanhamento que reflita com precisão a intensidade do tratamento do paciente, pois nem todos terão “bagagem médica” após a doença.
Um programa de sobrevivência “não deve prolongar o rótulo de uma necessidade médica para pacientes que querem e que podem tornar-se independentes”, diz o médico; no entanto, aqueles que necessitarão de cuidados contínuos hospitalares devido aos efeitos secundários dos tratamentos, que podem ser previstos com base no tratamento que receberam.
Há já vários anos, este hospital tem vindo a preencher um resumo médico de tratamento, ou “passaporte do paciente”, para os jovens que fizeram tratamento contra o cancro.
Agora, o hospital está a trabalhar para produzir versões eletrónicas desses passaportes, para que os pacientes possam ter acesso em qualquer lugar.
“Quanto mais analisamos, mais percebemos que este é um grupo muito distinto, com necessidades muito distintas, que experimentam efeitos médicos e psicossociais que não haviam sido documentados antes”, diz Louise Mullen, do Programa Nacional de Controlo do Cancro.
A falta de comunicação e coordenação nos cuidados de acompanhamento é outra grande preocupação.
“Estas crianças e jovens podem ter recebido um ótimo tratamento num hospital, mas os cuidados subsequentes devem ser divididos entre vários hospitais. O problema é que existem graves lacunas de comunicação entre as instituições”.
Um (muito) maior suporte psicossocial também é necessário.
“As pessoas podem ter passado pelo tratamento quando eram crianças ou adolescentes, mas já nos apercebemos que este é um trauma que fica para vida. Muitas vezes, só passados muitos anos é que os sobreviventes começam a processar o que lhes aconteceu. E isso, em alguns casos, desencadeia uma crise de saúde mental”, referiu Michael Capra.
Perder parte da infância ou da adolescência para o cancro também traz desafios sociais. A extensão dos apoios educacionais, por exemplo, depende muitas vezes apenas da escola.
E depois existem os encargos financeiros; muitas famílias têm que parar de trabalhar para acompanhar o tratamento dos filhos, o que se traduz em inúmeras hipotecas.
O relatório de sobrevivência recomenda um acesso mais ágil ao apoio educacional e considera que devem ser fornecidas novas formas de proteção financeira aos sobreviventes e suas famílias.
No caso de Alan, destacou-se a falta de comunicação entre os diferentes serviços médicos; quando o jovem foi sujeito a uma cirurgia para substituição de anca, o anestesista, que não tinha sido informado de que o paciente tinha linfoma de Hodgkin, recusou-se a prosseguir devido ao que viu em um X -raio.
“No geral, estou bem”, diz Alan, apesar de sentir que a sua vida foi interrompida.
“Eu tinha planos para a minha vida, que tiveram de ser descartados”, confessa o jovem, que está neste momento à procura de emprego.
“Quando terminei os tratamentos, fiquei muito letárgico. Tive que me forçar a ir para a rua, encontrar-me com amigos e frequentar a faculdade”.
“O meu processo enquanto sobrevivente tem sido lento e gradual, mas está a melhorar. Os meus pés ainda não estão 100%. Se eu não estiver com meias ou sapatos, há uma grande probabilidade de tropeçar em mim próprio”.
Mas Alan sabe que também existem desafios que não estão relacionados com a sua saúde.
“Já me disseram que vai muito difícil obter um seguro de vida por causa do diagnóstico de cancro. Infelizmente, sem um seguro de vida, não poderei obter um crédito para comprar uma casa, por exemplo, o que me causa alguma apreensão pelo futuro”.
Para alguns jovens adultos como Alan, a vida após o cancro nunca é uma linha reta.
Fonte: Irish Times