Sobreviver ao cancro infantil na Europa: Partilhar experiências e não pacientes (Parte IV)

Apesar dos importantes progressos feitos nas últimas décadas, ainda hoje crianças em algumas partes da Europa têm até 2,5 vezes mais probabilidade de morrer de cancro infantil do que os seus pares noutros países. A jornalista Sophie Fessl tentou conhecer melhor algumas das disparidades no atendimento a pacientes jovens com cancro e quais os esforços que estão a ser feitos para avançar em direção a protocolos e padrões comuns em todo o continente.

A primeira, segunda e terceira partes desta reportagem podem ser encontradas aqui, aqui e aqui, respetivamente.

Os pais de crianças com cancro são considerados como peça fundamental na divulgação das diretrizes de prática clínica. Para além disso, estas pessoas também atuam como pontos de contato nacionais para os pais dentro da Rede Europeia de Referência para Oncologia Pediátrica, ou ‘ERN PaedCan’.

As ERNs são uma iniciativa da União Europeia que incentiva os sistemas nacionais de saúde a cooperar e a partilhar experiências que possam estar em falta num determinado país. Uma visão das ERNs era estabelecer “conselhos consultivos virtuais” – painéis virtuais de especialistas médicos que permitiriam que o conhecimento e a experiência fossem além das fronteiras, ao invés dos pacientes.

Ruth Ladenstein, professora de Oncologia Pediátrica do Instituto de Investigação do Cancro Infantil de Viena, na Áustria, é a coordenadora do ERN PaedCan; infelizmente, Ruth reconhece que os conselhos consultivos virtuais ainda não atingiram todo o seu potencial, maioritariamente por razões técnicas.

“O design do sistema de gerenciamento de pacientes clínicos, no qual os casos podem ser carregados e discutidos em placas virtuais de tumor, atualmente não é facilmente acessível para aqueles que precisam de aconselhamento. Embora estejamos a dar todo o apoio que conseguimos, a verdade é que o trabalho de IT é um processo penoso. Nos próximos anos, esperamos ter uma maneira mais inteligente e rápida de funcionar que também esteja pronta para dispositivos móveis. A ideia é boa, mas, tecnicamente, precisa de mais ajustes e melhorias para realmente atingir os efeitos desejados”, disse a docente.

Ainda assim, a ERN PaedCan continua a encorajar outras formas pelas quais o conhecimento (e a partilha do mesmo) possa fluir, inclusivamente por meio da parceria entre instituições para que todas possam ter uma melhor preparação e os mesmos treinos.

“O problema é que os programas de treino também podem ser complicados”, afirma Ruth.

“Trabalhar num país desenvolvido, rico em recursos, é tentador, mas se tivermos uma fuga de pessoas com conhecimentos, isso significa que não estamos a fazer bem o nosso trabalho”.

Para evitar essa “fuga de cérebros”, como lhe chama, Ruth Ladenstein prevê a uma união entre instituições, para permitir estadias educacionais de curto prazo em países desenvolvidos, mas também a formação em instituições sediadas em países em desenvolvimento da União Europeia.

“Essa interação é muito importante, até para que haja uma troca de ideias entre os vários parceiros.”

O trabalho desenvolvido por todas estas instituições mostra claramente que a economia e os recursos limitados estão na origem de todas as desigualdades: a falta de medicamentos, por exemplo, tende a ser maior em países em desenvolvimento com um PIB menor.

“Obviamente, as desigualdades são um problema político, que deve ser tratado de um ângulo completamente diferente do financiamento”, reconhece Ruth Ladenstein.

Ruth é também membro do EU Mission Board for Cancer, uma das cinco missões identificadas pela Comissão Europeia dentro da Horizon Europe, o seu programa de financiamento para investigação.

O relatório provisório da Cancer Mission’s 2020 identificou o combate ao cancro infantil como uma “ação transversal”; já o próximo relatório – que se encontra nos últimos estágios de elaboração e aprovação – irá, de acordo com Ruth, identificar novas possibilidades de financiamento.

“Estas são questões que Cancer Mission’s está a tentar analisar. Tem que haver fundos de investimento europeus especiais para os países em expansão, para ajudar a tornar os seus sistemas de saúde mais rápidos. Estamos a tentar trazer muita inovação para toda a Europa, mas isso implica que todos os estamos membros se apoiem e se unam”.

Segundo Pamela Kearns, as diretrizes de Prática Clínica Padrão Europeia desenvolvidas pela SIOPE são uma referência que deve ser alcançada independentemente por todos os países europeus.

“Isto deve ser realista para todos os países, já que estamos a falar sobre o tratamento padrão. Não acho que o investimento deva ser proibitivo para nenhum governo, dado o número de crianças de que estamos a falar. Eu suspeito que o problema é mais reconhecer a necessidade e, se não for possível implementar uma terapia, ter certeza de que aquele país tem um acordo com outro país, ou com outro centro, de forma a ajudar na mesma aquela criança. Isto parece-me um plano viável”.

Gilles Vassal acrescenta que, embora os tratamentos oncológicos inovadores e caros sejam importantes, eles nem sempre são o tratamento ideal, pelo que é importante não desperdiçar recursos de forma inadequada. O investigador propõe uma avaliação cuidadosa, potencialmente conjunta, de quando os usar.

Nessa avaliação, “nós, como médicos, fornecemos uma definição clara de quem deve receber o medicamento e de quem não deve. É a nossa responsabilidade usar o novo medicamento certo onde ele realmente melhorar os resultados para as crianças e evitar o seu uso quando este não for relevante”.

Pamela Kearns também vê o Plano Europeu de Combate ao Cancro e a “Helping Children with Cancer Initiative” como um fator potencial para levar o tratamento oncológico pediátrico a um nível mais igualitário em toda a Europa.

“Nunca vivemos numa altura em que existissem tantas oportunidades de nos envolvermos para mudar as políticas de saúde, para conseguirmos mais financiamentos e para, finalmente, colocarmos o cancro infantil na agenda política. Espero que possamos agarrar esta oportunidade e implementar as promessas que foram feitas nos últimos 18 meses”.

Fonte: Cancer World

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