Sobreviver ao cancro infantil na Europa: A escassez de medicamentos essenciais (Parte III)

Apesar dos importantes progressos feitos nas últimas décadas, ainda hoje crianças em algumas partes da Europa têm até 2,5 vezes mais probabilidade de morrer de cancro infantil do que os seus pares noutros países. A jornalista Sophie Fessl tentou conhecer melhor algumas das disparidades no atendimento a pacientes jovens com cancro e quais os esforços que estão a ser feitos para avançar em direção a protocolos e padrões comuns em todo o continente.

A primeira e segunda partes desta reportagem podem ser encontradas aqui e aqui, respetivamente. 

A influência política é também um dos objetivos de um projeto impulsionado pela SIOPE no âmbito da Ação Conjunta da União Europeia sobre Cancros Raros (JARC) nomeadamente avaliar o acesso a medicamentos essenciais necessários para o tratamento de crianças com cancro.

Neste projeto, liderado por Gilles Vassal, Professor de Oncologia Pediátrica na Universidade Gustave Roussy, em França, foi elaborada uma lista de medicamentos com base na Lista Modelo de Medicamentos Essenciais para Crianças da OMS 2017.

“Fizemos uma pesquisa profunda sobre quais os medicamentos que são essenciais e que devem estar disponíveis por toda a Europa, 24 horas por dia, 7 dias por semana”, lembra Gilles Vassal.

Após concluída, a lista foi enviada para profissionais de saúde e associações de pais em 37 países europeus, de forma a poder avaliar a disponibilidade destes medicamentos.

Como resultado, foi identificada uma série de problemas que dificultam a acessibilidade a estes medicamentos; os problemas incluem a escassez de medicamentos, os elevados custos de transporte, a falta de formulações adequadas e a falta de mecanismos para o controlo da dor.

Foi relatado que menos de dois terços dos medicamentos da lista da OMS estavam “sempre disponíveis” em pelo menos 90% dos países analisados.

Cinco medicamentos essenciais para o tratamento da leucemia linfoblástica aguda (LLA) – o tipo de cancro mais frequentemente diagnosticado em crianças – foram relatados como estando “sempre disponíveis” em menos de 60% dos países que responderam ao inquérito.

O balanço sobre o acesso aos medicamentos necessários para controlar os efeitos secundários também não foi muito positiva, com alguns a estarem “sempre disponíveis” em menos de metade dos hospitais analisados.

A carga financeira da doença também permanece desigual, com quase um terço dos pais que responderam (32%) a relatarem que tiveram de pagar pelo tratamento hospitalar do seu filho, de forma parcial ou total.

“Em suma”, diz Gilles Vassal, “a realidade mostra-nos que existem muitas desigualdades no acesso a medicamentos essenciais”.

Para Gilles, essa evidência contundente deveria ser suficiente para estimular os políticos a agir.

“Dizemos aos políticos: esta é a realidade, nós fornecemos as evidências, vocês encontram a solução.”

As razões por detrás da escassez, como compras e cadeias de abastecimento, e o dever e a capacidade de lidar com esses problemas, estão “além da competência do SIOPE”, diz Gilles Vassal.

“Não é o meu trabalho encontrar a solução. Mas o meu trabalho é alertar as pessoas e dizer: ‘este é o problema’. E quando as crianças não têm acesso a medicamentos contra a leucemia, existe o risco de morte”.

A SIOPE também está a contribuir para uma atualização da lista de medicamentos essenciais da OMS.

“O facto de haver uma lista de medicamentos é uma mensagem de que os países devem disponibilizá-los. Não é suficiente, mas é um mínimo que deveria estar disponível”.

A CCI Europe também está ativa nesta iniciativa relacionada com os medicamentos essenciais, mas Lejla Kameric é realista quanto às suas perspetivas de mudança.

“Esta lista significa que os médicos são obrigados a ter todos estes medicamentos? Não. Mas pelo menos isto é um passo em direção a isso.”

A escassez de medicamentos está a melhorar na Bósnia e em outros países, mas o progresso ainda é muito lento.

Mesmo quando os medicamentos estão disponíveis, o conhecimento sobre as melhores práticas de tratamento pode ser limitado.

“O desafio aqui é duplo”, diz Pamela Kearns.

“Como é que devemos proceder? Implementamos em cada país, em cada local geográfico, a experiência necessária? Ou certificamo-nos de que é possível que a experiência esteja disponível quando necessário. Acho que deve ser um modelo misto, com pelo menos um centro de especialização em cada país que possa fornecer o melhor padrão de atendimento”.

Para disponibilizar conhecimento especializado, o SIOPE tem desenvolvido o projeto European Standard Clinical Practice (ESCP), para definir qual é o “melhor padrão de tratamento” para os cancros infantis mais comuns.

Em muitos países, as crianças estão a ser tratadas em ensaios clínicos, mas quando um ensaio clínico não está disponível, uma orientação sobre as melhores práticas precisa de estar disponível e faltou.

“Queríamos padronizar o que seria o tratamento das melhores práticas, independentemente do país. Estamos a tentar definir o diagnóstico certo para uma doença e qual o tratamento padrão que deve estar disponível para cada criança”.

Novamente, as diretrizes também têm o objetivo de dar força aos pais e médicos para exigirem a prestação desses serviços.

“Queremos habilitar os pais e os médicos, para que possam interceder no seu serviço de saúde e dizer ‘este é o melhor padrão de tratamento para esta criança. Como é que vamos garantir que ela o recebe?’”.

As diretrizes também serão disponibilizadas pela CCI Europe, que quer ajudar os pais a defenderem o melhor possível os seus filhos.

“A ideia é termos pais (ou cuidadores) especialistas, que possam ‘traduzir’ as orientações aos pais de filhos em tratamento, a fim de entender melhor a situação, mas também advogar caso os tratamentos e curas ali descritos não o façam existir.”

Enquanto uma primeira ronda de diretrizes se encontra definida e pronta a ser lançada ainda este outono, o SIOPE quer continuar a trabalhas nestas diretrizes, até que todos os cancros infantis mais comuns sejam analisados.

“Estas diretrizes são muito importantes para a comunidade. É algo que estamos à espera há mais de vinte anos”, afirma Lejla Kameric.

Fonte: Cancer World

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