Responsável pelo Instituto Ronald McDonald do Brasil fala sobre os avanços no tratamento do cancro infantil

Em 1983, quando o meu filho mais novo foi diagnosticado com leucemia, o cancro era uma doença que significava, senão a morte, quase o óbito, principalmente para as crianças.
Quando um pai ou uma mãe recebe uma notícia como esta, no primeiro momento sente o chão a abrir, mas depois começa a surgir a força e a vontade de ir para a batalha. Toda a experiência com meu filho, que acabou por falecer em 1990, levou-me até ao Instituto Ronald McDonald no Brasil.
Desde o início desta luta, registámos muitos avanços, mas ainda estamos distantes daquilo que é feito nos países desenvolvidos: ainda há muito a ser feito pela oncologia pediátrica brasileira.
O cancro é a maior causa de morte por doença entre crianças e adolescentes do 1 aos 19 anos. Como causa geral, a patologia só perde para as causas naturais. Dados da estimativa anual do Instituto Nacional de Cancro (Inca) mostram que serão registados no biénio de 2018-2019, para cada ano, 12 500 novos casos de cancro em crianças e adolescentes, mais de um caso por hora.
Em 2001, quando fizemos o primeiro planeamento estratégico do instituto, fizemos o levantamento dos pontos cruciais para mudar a realidade dessa doença junto de instituições parceiras da rede oncológica.
O primeiro desses pontos foi a importância da criança ser tratada por um oncologista pediátrico. Isso é essencial, porque elas não são mini adultos e têm um sistema biológico singular. Com isso, garantiu-se que hospitais parceiros em todo o Brasil tivessem, pelo menos, um oncologista especializado em crianças.
Outro ponto importante definido foi o de tratar as crianças com cancro separadamente das outras patologias. Ainda há quem pense que o cancro é contagioso, mas acontece justamente o contrário: a criança que está com cancro pode ser prejudicada por uma constipação alheia se estiver com imunidade baixa.
A portaria nº 140, que rege as políticas de saúde da oncologia, passou a estabelecer que haja uma área separada para o ambulatório e outra para o internamento.
Os avanços são notáveis: em 1988, os índices de cura estavam em torno dos 35%, mas hoje podem chegar entre os 70% e os 80%, desde que diagnosticado precocemente e tratado adequadamente.
Se antes, a cada 10 crianças, 3 se curavam, hoje salvam-se 7. Estes indicadores são vistos em serviços que são apoiados pelo Instituto Ronald McDonald, já que a média do Brasil é de 64%.
Diante destes dados, o trabalho precisa de ser contínuo. Portanto, é essencial o investimento em diagnosticar antecipadamente. Com o programa Diagnóstico Precoce, por exemplo, vamos aos lugares mais distantes do país através dos agentes de saúde e médicos das unidades básicas.
Uma pesquisa nas áreas do programa mostrou o avanço de 23% em casos de suspeita, além da diminuição de 61% do tempo de atendimento, que passou de 13 para 5 semanas. 13 semanas podem representar três meses para as crianças, relativamente ao tempo que o tumor se pode desenvolver, pois nelas as células reproduzem-se mais rapidamente do que nos adultos. Um diagnóstico tardio pode diminuir muito o índice de cura dependendo da gravidade do tumor.
Outro desafio constante é o de melhorar a qualidade do atendimento nas unidades hospitalares do Brasil para que, cada vez menos, haja a migração entre as regiões em busca do tratamento. Os recursos das doações permitiram que fossem criados, nas capitais, centros de excelência, mas é preciso ter um olhar diferente para os hospitais que ainda não têm instalações necessárias.
Há também um esforço em parceria com a Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica para trabalhar com um protocolo uniformizado. Existe um programa apoiado que é a central informatizada de oncologia pediátrica, com especialistas de cancro em diversas áreas, que comunicam com outros médicos e formam grupos de trabalho.
A ideia é que as crianças em vários estados sejam tratadas com o mesmo protocolo e medicamentos que têm uma eficácia comprovada.
Não falta esperança para alcançar o sonho da cura do cancro para milhares de crianças e adolescentes. Por isso, o apoio da sociedade é tão importante, para que juntos possamos continuar a virar este jogo.
Texto redigido por Francisco Neves, responsável pelo Instituto Ronald McDonald no Brasil
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