Assume-se fascinada pelas Ciências da Saúde desde sempre. Cláudia Martins recebeu a Menção Honrosa na última edição do Prémio Rui Osório de Castro / Millennium bcp com um projeto de investigação sobre Meduloblastoma – o tipo mais comum de tumor cerebral em crianças. Em entrevista ao PIPOP, a investigadora conta como esta distinção simboliza o reconhecimento pela comunidade científica, mas também o incentivo para continuar a avançar e ultrapassar os desafios envolvidos.
Diz ter sido em 2015, durante o mestrado em Engenharia Biomédica na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, que teve o primeiro contacto com a investigação científica. Concluiu o doutoramento em Ciências Biomédicas pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar em 2023 e, atualmente, é investigadora no i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde da Universidade do Porto. Ao longo dos últimos anos teve a oportunidade de desenvolver o seu trabalho de investigação em diversos países, nomeadamente Reino Unido, Alemanha, Bélgica e Suíça. Integrou o grupo do Instituto de Engenharia Biomédica, liderado pelo investigador Bruno Sarmento, que desde cedo se tornou o seu mentor no mundo da Ciência.
PIPOP – Cláudia, porquê este tema para investigação?
Cláudia Martins – Apesar do grupo cobrir diversas áreas de investigação no âmbito da formulação, transporte e validação de novos fármacos, foi o trabalho em torno do direcionamento de fármacos para o cérebro que despertou desde logo maior interesse.
O cérebro é um dos órgãos mais complexos e misteriosos do corpo humano e, apesar de séculos de estudo, ainda há muito a descobrir sobre como funciona.
Assim, nos últimos anos tenho-me focado maioritariamente nesta área e na sua interligação com o design de novas (nano-)terapias. O nosso grupo tem então desenvolvido algum trabalho neste sentido, que se reflete em várias publicações científicas, participação em diversos projetos colaborativos, mais de 40 comunicações em conferências internacionais, 23 prémios e envolvimento em atividades de comunicação de ciência (Pint of Science Portugal).
PIPOP – Pode explicar brevemente o projeto? Quais são os principais objetivos e expetativas desta pesquisa?
C.M – O nosso projeto foca-se no meduloblastoma (MB), que é o tipo mais comum de tumor cerebral em crianças. Quando associado à amplificação do gene MYC (MB-MYC), a taxa de mortalidade é extremamente alta, chegando a quase 100%.
O MB-MYC depende muito da glutamina, um nutriente essencial, o que faz com que medicamentos que interferem no metabolismo da glutamina (GMITs) mostrem resultados terapêuticos promissores.
No entanto, estes medicamentos têm dificuldade em atravessar a barreira que protege o cérebro (e o separa do sangue), o que impede que atinjam o tumor de forma eficaz, ressaltando a necessidade de terapias direcionadas especificamente ao ambiente do MB-MYC.
O nosso projeto tem como objetivo desenvolver nano-veículos, ou seja, pequenas partículas à escala nanométrica projetadas para transportar GMITs, com uma superfície quimicamente modificada para direcioná-los especificamente ao cérebro. Para isto, numa primeira fase, o GMIT mais apropriado é escolhido após avaliação da eficácia em combater o tumor de uma série de GMITs. Após a formulação do GMIT mais apropriado nos nossos nano-veículos, o sistema é avaliado em modelos laboratoriais de MB-MYC, que simulam o ambiente real do tumor. Assim, o nosso projeto busca criar tratamentos oncológicos inovadores, com potencial para melhorar significativamente a qualidade de vida e a sobrevivência de crianças com MB.
PIPOP – Quais foram os principais desafios que enfrenta no desenvolvimento do projeto?
C.M – A maior dificuldade técnica do projeto é saber qual a modificação química de superfície ideal dos nano-veículos para que estes efetivamente consigam chegar ao cérebro, local onde os GMITs se devem acumular para que consigam combater o MB.
O cérebro é um órgão muito protegido, e uma das suas principais defesas é a barreira que o separa do sangue. Esta é formada por células muito compactas que controlam rigorosamente o que pode entrar no cérebro a partir do sangue, como uma espécie de “filtro”.
Embora esta barreira seja essencial para proteger o cérebro de possíveis danos, ela também cria um grande desafio para o tratamento de doenças cerebrais. Muitos medicamentos que funcionam bem noutras partes do corpo não conseguem atravessar esta barreira para atingir o cérebro. Isso significa que, mesmo que tenhamos medicamentos promissores para tratar doenças cerebrais, como o meduloblastoma, eles podem não ser eficazes simplesmente porque não conseguem chegar ao local onde são necessários. Felizmente, o grupo do i3S liderado pelo investigador Bruno Sarmento, onde eu trabalho, tem desenvolvido nos últimos anos novas maneiras de “enganar” esta barreira ou de criar medicamentos que possam atravessá-la com mais facilidade, para que possam tratar doenças cerebrais de forma mais eficaz.
Este conhecimento do grupo, que tem valido vários artigos científicos e também prémios, é sem dúvida a principal chave para superar os desafios do projeto.
PIPOP – Como espera que os resultados deste projeto impactem a qualidade de vida e/ou a taxa de sobrevivência?
C.M – O nosso projeto criará uma nova abordagem para tratar o MB pediátrico, especialmente o tipo MB-MYC, com potencial para aumentar a eficácia dos medicamentos GMITs e reduzir os efeitos secundários do tratamento.
Será desenvolvido um protótipo de nano-veículo para estes medicamentos, que atuará como uma “medicina de precisão”. Isto significa que ele irá direcionar os GMITs diretamente para o cérebro e para o tumor, de forma mais eficiente.
Espera-se que estes nano-veículos sejam capazes de atravessar a barreira de proteção do cérebro e chegar ao tumor, fazendo com que os medicamentos se acumulem exatamente onde são necessários. Esta abordagem irá assim combater um tumor que atualmente apresenta uma taxa de letalidade próxima dos 100%, contribuindo para uma redução na mortalidade infantil. Mais ainda, esta abordagem irá reduzir os típicos efeitos secundários dos tratamentos anti tumorais na população pediátrica (Ex: atrasos no desenvolvimento cognitivo, desenvolvimento de órgãos inadequado, risco de infertilidade), contribuindo para o aumento da qualidade de vida das crianças.
PIPOP – Como descreveria a importância do Prémio Rui Osório de Castro / Millennium bcp para o desenvolvimento do projeto?
C.M – Receber esta Menção Honrosa representa o reconhecimento do potencial transformador do nosso projeto de investigação na área do MB pediátrico. Esta distinção valida a relevância científica e o impacto que o nosso trabalho pode ter no desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas, especialmente no tratamento de tumores cerebrais altamente agressivos como o MB-MYC. Para nós, esta Menção Honrosa simboliza não só o reconhecimento pela comunidade científica, mas também o incentivo para continuar a avançar com o projeto e ultrapassar os desafios envolvidos. Além disso, é uma oportunidade de destacar o compromisso e a inovação da nossa equipa, inspirando-nos a procurar novas oportunidades de colaboração e a contribuir ativamente para o progresso da oncologia pediátrica.
9ª edição: candidaturas até 15 novembro 2024
As candidaturas para a 9ª edição do Prémio Rui Osório de Castro / Millennium bcp (2024-2025) já estão abertas e devem ser entregues por e-mail entre 1 de Setembro e 15 de Novembro de 2024.
As candidaturas decorrem até 15 de Novembro de 2024 e vão novamente premiar projetos e iniciativas inovadoras na área da Oncologia Pediátrica.
O apoio anual de 15.000€, entregue desde 2017, contribui com recursos para o desenvolvimento e/ou manutenção de projetos capazes de incentivar e promover a melhoria dos cuidados prestados às crianças com doença oncológica.