“Prémio Rui Osório de Castro/Millennium bcp é crucial para o nosso projeto” – Joana Peixoto, Investigadora i3S

Sempre teve uma paixão pela área da saúde, mas a certeza de fazer investigação só veio mais tarde. Joana Peixoto venceu a última edição do Prémio Rui Osório de Castro / Millennium bcp com o projeto de investigação “EX-BRAIN_CELLZOOM”. Em entrevista ao PIPOP, a investigadora conta como o apoio financeiro deste prémio pode permitir que outros projetos de investigação saiam do “papel para a bancada”.

Os estudos na área da saúde começaram no Ensino Superior, quando Joana decidiu formar-se em Ciências Biomédicas na Universidade de Aveiro, num programa inovador baseado na metodologia de problem based learning. Este curso permitiu-lhe explorar a biologia humana e, “inevitavelmente”, como explica, “para desenvolver um projeto de tese de Mestrado”, foi parar ao mundo da investigação em saúde, especificamente na área do cancro.

Foi no Ipatimup, no grupo “Biologia do Cancro”, liderado pela Prof. Paula Soares e com a orientação do Dr. Jorge Lima, que teve a certeza de que queria fazer “investigação e contribuir para o conhecimento da saúde humana no contexto do cancro”, afirma. Seguiu-se Mestrado em Biomedicina Molecular, também em Aveiro, Doutoramento em Biomedicina na Faculdade de Medicina do Porto e na Julius-Maximilians-University em Würzburg e finalmente Pós-Doutoramento, posição onde se encontra, no i3S, Instituto de Investigação e Inovação em Saúde no Porto.

PIPOP – Joana, porquê este tema para investigação?

J.P – Ao longo do meu percurso científico, estive maioritariamente envolvida no estudo de tumores cerebrais – primeiro no contexto do adulto e, mais recentemente, no contexto pediátrico. Em adultos, debrucei-me sobre o subtipo mais agressivo de tumores cerebrais, os glioblastomas, por terem taxas de sobrevida muito baixas, com poucas abordagens terapêuticas efetivas disponíveis e com uma biologia muito complexa que, apesar dos avanços tecnológicos e científicos que temos vindo a observar ao longo dos últimos anos, tem desafiado todas as expedições científicas no sentido de melhorar as atuais estatísticas desfavoráveis deste grupo de doentes.

Em paralelo, a nossa equipa de investigação foi estando envolvida na caracterização genética de tumores cerebrais, tanto em adultos como em crianças, levando-nos a reconhecer que, no contexto pediátrico, estes tumores têm comportamentos biológicos muito diferentes dos do adulto.

Os tumores cerebrais pediátricos são muito diversos e raros, as abordagens terapêuticas existentes estão pouco adequadas ao contexto pediátrico

e, para além disso, existem claras dificuldades na implementação de ensaios clínicos nesta faixa etária, levando a escassas concretizações de novas terapias para estes doentes. Todos estes factos cativaram-nos para estudar mais ao pormenor os tumores cerebrais pediátricos, sendo atualmente o nosso, e meu, foco principal de investigação.

PIPOP – Pode explicar brevemente o projeto? Quais são os principais objetivos e expetativas desta pesquisa?

J.P – Este projeto, denominado EX-BRAIN_CELLZOOM, deriva de um projeto anteriormente premiado pela Fundação Rui Osório de Castro/Millennium bcp, denominado EX-BRAIN, liderado pelo Dr. Jorge Lima, no qual nos comprometemos a recolher amostras de tumores cerebrais de crianças para cultivar in vitro, em forma de organoides.

Este modelo tem um grande potencial para estudar tumores cerebrais pediátricos.

Os organoides são estruturas microscópicas capazes de recapitular as características do tumor de origem, e por isso são excelentes modelos de estudo para usar em laboratório. Desde novembro de 2022, conseguimos estabelecer com sucesso 19 culturas de organoides de 25 crianças, permitindo-nos assim perceber que este modelo tem um grande potencial para estudar tumores cerebrais pediátricos.

No decurso deste projeto, surgiu a ideia de, usando o modelo de organoides, investigar o papel de cada célula que compõe os tumores de alto grau. Por isso, com este projeto, pretendemos estudar o perfil molecular de cada célula através de uma técnica, denominada sequenciação de células singulares, para determinar o papel de cada subpopulação de células na biologia destes tumores e encontrar novas abordagens terapêuticas para estas crianças.

PIPOP – Quais foram os principais desafios que enfrenta no desenvolvimento do projeto?

J.P – Penso que neste tipo de projetos científicos com uma vertente clínica e translacional muito grande, os desafios estão muitas vezes relacionados com a logística necessária para

haver uma ponte bem estabelecida entre os investigadores, no laboratório, e os médicos, no Hospital.

Neste sentido, o Dr. Jorge Lima tem tido um papel fundamental em fomentar esta aproximação, para que todos trabalhemos para um bem comum: a saúde destas crianças. Em termos práticos, foi criado um grupo de whatsapp para que a comunicação entre todos seja rápida e eficaz. Nomeadamente sempre que há agendamentos de cirurgias, ou quando o material cirúrgico está pronto para recolher e transportar para o laboratório. Em paralelo, semanalmente, o corpo clínico de oncologia pediátrica reúne-se com os investigadores para decidirem em conjunto a melhor abordagem para cada doente, tendo em conta o conjunto de dados clínicos e moleculares. Toda a informação gerada em laboratório é partilhada com os médicos da equipa, para que haja um envolvimento total de todos os elementos ao longo do projeto. Este processo foi criado de forma gradual, estando hoje plenamente bem estabelecido, culminando numa relação de confiança e proximidade entre todos, que facilita inteiramente o decurso deste projeto e o surgimento de potenciais projetos futuros.

PIPOP – Como espera que os resultados deste projeto impactem a qualidade de vida e/ou a taxa de sobrevivência?

J.P – Um dos principais desafios que as crianças com tumores cerebrais enfrentam é o facto de as terapias atuais incluírem sessões intensivas de radio e quimioterapia que levam a efeitos adversos graves que têm um impacto muito negativo na qualidade de vida dos sobreviventes e das suas famílias. Estas consequências são muitas vezes severas e prolongadas, com implicações a nível sistémico, nomeadamente sequelas cognitivas, neurológicas e/ou motoras. Com a descoberta de potenciais terapias inovadoras

esperamos não só eliminar eficazmente as células tumorais, como, também, diminuir os efeitos adversos associados aos atuais regimes terapêuticos,

aumentando, assim, a qualidade de vida e a taxa de sobrevivência destas crianças.

PIPOP – Como descreveria a importância do Prémio Rui Osório de Castro / Millennium bcp para o desenvolvimento do projeto?

J.P – O Prémio Rui Osório de Castro/Millennium bcp tem tido um papel fundamental no apoio à ciência e investigação em oncologia pediátrica. Para a nossa equipa, este financiamento tem sido crucial em impulsionar o desenvolvimento de organoides de tumores cerebrais pediátricos, cujo sucesso rapidamente levou ao surgimento de subsequentes perguntas científicas nesta área. Assim surgiu a ideia deste projeto, o EX-BRAIN_CELLZOOM, que através do prestigiado Prémio Rui Osório de Castro/Millennium bcp, poderá “sair do papel para a bancada” e ser concretizado.

Sendo este o meu primeiro projeto como investigadora principal,

este Prémio adquire um papel fundamental na minha carreira, impulsionando a minha independência científica e motivando jovens investigadores

a dar continuidade às suas linhas de investigação em matérias tão sensíveis e relevantes como a oncologia pediátrica.

Nova edição em setembro

As candidaturas para a nova edição do Prémio de Investigação em Oncologia Pediátrica arrancam já em setembro, que vai premiar projetos e iniciativas inovadoras na área da Oncologia Pediátrica.

O apoio anual de 15.000€, entregue desde 2017, contribui com recursos para o desenvolvimento e/ou manutenção de projetos capazes de incentivar e promover a melhoria dos cuidados prestados às crianças com doença oncológica.

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