É algo com o qual alguns pacientes com cancro sonham: comemorar o fim do tratamento a tocar o “sino da esperança” ou “sino da cura”, como é denominado, rodeados de familiares, amigos e médicos.
Para muitos pacientes, esta prática cada vez mais comum em hospitais, nomeadamente nas alas de oncologia pediátrica, proporciona-lhes uma sensação de encerramento de uma fase crucial da sua vida.
Agora, um estudo publicado no International Journal of Radiation Oncology tentou analisar as consequências não intencionais desta prática; os resultados, segundo os autores, levantam questões válidas sobre se esta prática deve, ou não, ser feita.
A investigação contou com a participação de mais de 200 sobreviventes de cancro; destes, 100 tinham tocado o “sino da esperança” após terem terminado os tratamentos.
Segundo os resultados, os sobreviventes que tinham tocado no “sino da esperança” tinham uma maior probabilidade de associarem o tempo em que estiveram em tratamento como “mais angustiante e doloroso” do que os sobreviventes que não tinham tocado no sino.
“Quando iniciámos esta investigação, acreditávamos que esta comemoração melhorava as memórias relacionadas com o tratamento. Ficámos muito surpreendidos quando nos apercebemos que se passava exatamente o oposto. O ‘sino da esperança’ tornou as memórias mais dolorosas e esse sentimento foi ficando mais pronunciado com o passar do tempo”.
Patrick A. Williams, oncologista e líder do estudo, explicou que os eventos se tornam mais profundamente incorporados nas memórias quando as emoções são despertadas devido a conexões cerebrais entre a memória e a emoção.
“Em vez de servir para guardar os sentimentos bons que acompanham a conclusão do tratamento, a comemoração com o sino parece apenas guardar os sentimentos stressantes associados ao tratamento do cancro infantil”.
Segundo o estudo, realizado pela Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, existem outras razões para reconsiderar a utilização do “sino da esperança”, uma prática introduzida no país em 1996 e que funciona em 51 dos 62 centros oncológicos supervisionados pelo National Cancer Institute.
A celebração já recebeu críticas de outros pacientes e familiares, para quem ouvir o toque do sino pode despertar sentimentos de raiva, ressentimento ou depressão, pois poderão não ter a mesma possibilidade.
“Sim, é egoísmo, mas é horrível ouvir outras pessoas celebrarem e nós sabermos que a nossa filha ou filho não terão a mesma sorte. Conseguem imaginar como nos sentimos?”, disse a mãe de uma criança que não sobreviveu ao cancro.
Além disso, a cerimónia – que tem como significado o iniciar uma nova vida livre de cancro – também pode criar falsas esperanças aos sobreviventes.
“Inconscientemente, pode ficar a ideia de que o ‘cancro’ acabou, de que não há mais razões para preocupações. E não pode ser assim”, alerta Patrick A. Williams.
Anne Katz, autora do livro After You Ring the Bell: 10 Challenges for the Cancer Survivor, observa que os pacientes podem sofrer consequências negativas a longo prazo após o tratamento do cancro, incluindo problemas de saúde, depressão e fadiga.
“Embora o fim do tratamento ativo seja um marco, não é o fim da jornada nem dos efeitos secundários”, afirma Anne.
Patrick A. Williams disse que o seu estudo não pretende proibir a comemoração com o “sino da esperança”; para o autor, o importante agora é replicar esta investigação em grupos maiores de pacientes.
O oncologista propõe a criação alternativas, como tocar num sino para o início do tratamento; “porque não iniciar uma fase negativa com algum positivismo?”, questiona.
“O importante é não despertar emoções no final do tratamento. Alguns sobreviventes não tocam no sino, em vez disso, recebem pequenos presentes ou certificados para marcar o fim do tratamento. São outras formas de celebrar, e são bem menos agressivas do que estar a tocar num sino com uma multidão de pessoas a aplaudir”.
Fonte: Eurekalert