Numa entrevista à Fundação Gulbenkian, a especialista Ana Lacerda, que há 17 anos trabalha no Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil de Lisboa (IPO de Lisboa) e acompanha crianças e famílias com necessidades paliativas, falou sobre a importância de implementar em Portugal cuidados paliativos pediátricos.
Pediatra no IPO de Lisboa, Ana Lacerda, foi galardoada este ano com o Prémio Cicely Saunders por Excelência Académica nos Cuidados Paliativos (Cicely Saunders Prize for Academic Excellence in Palliative Care), graças ao trabalho que desenvolveu na sua bolsa de mestrado integrada num programa de formação académica em Cuidados Paliativos.
As suas conclusões surgem no âmbito da sua bolsa de mestrado, ao abrigo de um programa de formação académica promovido pela Fundação Gulbenkian em parceria com o Instituto Cicely Saunders, o departamento de cuidados paliativos do King’s College London e em articulação com o Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra.
Ana Lacerda lembra que, segundo o Atlas Global de Cuidados Paliativos, de janeiro 2014 – o primeiro relatório a fazer um mapa dos serviços de cuidados paliativos de adultos e de pediatria a nível mundial -, no que se refere à Pediatria, Portugal é o país mais atrasado a nível europeu e “está praticamente tudo por fazer, porque só agora é que as necessidades paliativas das crianças começam a ser reconhecidas”.
A especialista reforça que, no caso das crianças e suas famílias, os cuidados paliativos devem ter como foco “a esperança e qualidade de vida” na sua vivência diária com a doença. “Os cuidados paliativos pediátricos não se dirigem exclusivamente às crianças numa fase de fim de vida, mas também às que vivem com uma doença que nós sabemos que limita a qualidade de vida, por exemplo, o cancro”, lembra.
Atualmente, a taxa de sobrevivência de crianças com cancro já ronda os 75% a 80%, na generalidade dos casos, e “as recomendações internacionais são para que todas as crianças com cancro sejam objeto de cuidados paliativos de suporte desde o diagnóstico”, pois nestes caso, não se trata de “necessidades paliativas de fim de vida, mas de apoio a vários níveis”.
Sobre a sua tese de mestrado “Cause and Place of Death of Children and Adolescents in Portugal (1987-2011) – an Epidemiological Study]” [“Causas e Local de Morte de Crianças e Adolescentes em Portugal (1987-2011) – um Estudo Epidémico”], Ana Lacerda explica que este surgiu depois de ter integrado o projeto DINAMO – Dinamizar formação avançada e investigação para otimizar os cuidados paliativos domiciliários em Portugal para adultos, financiado pela Fundação Gulbenkian, altura em que se pensou estender a pesquisa às crianças, avaliando “as mortes em idade pediátrica que ocorreram em Portugal nos últimos 25 anos”.
Os dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) permitiram identificar o número e a proporção de mortes que tinham ocorrido com necessidades paliativas, numa pesquisa inédita em Portugal e ao nível europeu. O estudo permitiu perceber que, à semelhança de outros países, quase 50% crianças que morreram entre 1987 e 2011 em Portugal tinham menos de um ano de idade, mas concluiu ainda que “a idade mediana de morte está a aumentar. Ou seja, as crianças com necessidades paliativas estão a morrer mais tarde, em idades mais avançadas, o que para o planeamento de serviços é um dado importante”.
Neste âmbito, em Portugal, e avaliando as mortes pediátricas a partir de três grandes causas – mortes com necessidades paliativas, mortes por acidentes e mortes por outras causas médicas –, conclui-se que “a proporção de morte em casa é idêntica independentemente da causa”.
A pediatra reforça ainda que, de acordo com a sua experiência, muitas famílias “não têm noção de que as crianças podem ser cuidadas fora do IPO. Em Portugal, há muito esta ideia de que só no hospital – e no hospital terciário, em Lisboa ou no Porto – é que se cuida bem. Mas depois, ao longo do tratamento, as pessoas perdem o receio, percebendo que para elas é extremamente vantajoso. Claro que há situações, como as quimioterapias, as aplasias graves, etc., que só podem ser tratadas no IPO”, motivo pelo qual o acompanhamento destas crianças fora do IPO deve ser avaliado “caso a caso”.
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