“Ser uma ‘sobrevivente’ também significa que eu nunca serei tão saudável quanto uma pessoa que não teve cancro infantil”, escreveu Zoe Wagner, a propósito da sua experiência enquanto doente oncológica, numa publicação da St. Baldrick’s Foundation.
Zoe foi diagnosticada com leucemia mielóide aguda quando tinha 15 anos; hoje, e depois de ter sido sujeita a um tratamento bastante agressivo, a jovem está em remissão há já 5 anos.
Mas, e como a própria descreveu, “os efeitos nocivos da quimioterapia deixaram-me em estado de alerta. Eu já lidei, ou vou ter de lidar, com dificuldades de aprendizagem, infertilidade, um alto risco de cancro secundário e com um coração que, para bombear o sangue que eu preciso, tem de se esforçar duas vezes mais”.
Hoje, graças às melhorias nos tratamentos, mais de 80% das crianças com cancro sobrevivem, pelo menos, 5 anos após o diagnóstico. Mas, de acordo com um estudo publicado na revista Circulation, mesmo em idades jovens, os sobreviventes de cancro infantil têm três vezes mais probabilidade de desenvolver uma doença cardiovascular, seja qual for o tipo, do que pessoas da mesma idade que não foram diagnosticados com cancro.
Em termos de insuficiência cardíaca, o risco é quase 10 vezes maior.
Gregory Aune, oncologista pediátrico e hematologista na Universidade do Texas, nos Estados Unidos, tinha 16 anos quando foi diagnosticado com um linfoma de Hodgkin, um tipo de cancro raro que afeta o sistema linfático.
Um ano, uma cirurgia e várias rondas de quimioterapia e de radioterapia depois, Gregory entrou em remissão. Mas, embora, o hoje médico, esteja livre de cancro, o seu corpo continua a correr risco de complicações sérias, relacionadas com o tratamento que recebeu quando o seu corpo adolescente ainda estava em desenvolvimento.
O risco aumentado de doenças cardiovasculares entre os sobreviventes de cancro infantil é, em parte, o resultado da natureza cardiotóxica de muitos dos tratamentos mais eficazes contra o cancro, incluindo a quimioterapia e a radioterapia.
Esses tratamentos eliminam diretamente as células cancerígenas, mas, durante o processo, é frequente que também danifiquem ou eliminem células saudáveis no tecido cardíaco.
Em crianças, cujas células se dividem mais rapidamente do que na idade adulta, esse dano pode impedir o coração de se desenvolver da maneira que deveria e, em última análise, pode causar efeitos secundários a longo prazo.
Quase duas décadas depois de ter sido sujeito tratamentos oncológicos, Gregory sentiu esses efeitos em primeira mão quando, aos 35 anos, foi submetido a uma cirurgia cardíaca de emergência para substituir sua válvula aórtica e desviar três artérias coronárias bloqueadas.
Felizmente, a cirurgia correu bem.
Mas a experiência deixou o médico frustrado…
“Pensei que era preciso encontrar uma solução para melhorar os tratamentos. É injusto termos de sugerir terapias que sabemos que irão prejudicar os pacientes pediátricos a longo prazo”, disse o médico que, atualmente, dedica a sua carreira a tentar encontrar formas de proteger a saúde cardiovascular de crianças que tenham sido sujeitas a tratamentos oncológicos.
Paul Nathan, um dos autores do estudo publicado na revista Circulation, explicou à agência noticiosa Reuters que as suas descobertas sugerem que o risco de doenças cardiovasculares entre sobreviventes de cancro infantil é muito mais amplo, e potencialmente mais perigoso, do que se pensava anteriormente; segundo o investigador, os sobreviventes deveriam concentrar-se em mitigar outros fatores de risco, dada a probabilidade aumentada de desenvolverem uma doença cardiovascular.
“Infelizmente, não podemos eliminar completamente o uso de tratamentos cardiotóxicos porque eles são necessários para curar o cancro”, disse Paul Nathan, acrescentando que, tendo em conta esta necessidade, os sobreviventes de cancro infantil devem ser sujeitos a rastreios para doenças cardiovasculares.
Esses rastreios “devem ser feitos desde início, acrescentou o investigador, que afirmou ser “importante que, tanto os sobreviventes, quanto os médicos estejam cientes dos riscos e do que procurar”.
A questão é que “os avanços nos tratamentos são muito recentes. Só agora, que cada vez mais crianças sobrevivem, é que nos estamos a aperceber dos principais problemas e efeitos secundários decorrentes dos tratamentos para o cancro infantil”, disse Prashant Vaishnava, cardiologista no Monte Sinai Hospital, nos Estados Unidos.
“Felizmente, este é um tema cada vez mais recorrente e isso faz com que, cada vez mais, se discutam os tratamentos contra o cancro. Acredito que, desta forma, seremos capazes de melhorar a vida a longo prazo dos sobreviventes”.
Fonte: Survivor Net