“Há três áreas muito importantes que precisam de melhor atenção na investigação: Nem todas as nossas crianças são curadas e é preciso perceber porque alguns não conseguem beneficiar ainda da ciência como seria de esperar; das que conseguem ser curadas, pelo menos um terço têm consequências graves e outras terão outras consequências, e depois estudar quais são as causas do cancro pediátrico e o que podemos fazer”.
Quem o disse foi Luís Costa, presidente da Associação Portuguesa de Investigação em Cancro (ASPIC), durante a conferência “Investigação em cancro pediátrico: Onde estamos? Para onde vamos?”, que decorreu na passada sexta-feira, dia 8 de novembro, na Fundação Calouste Gulbenkian.
Promovido pela ASPIC, em colaboração com a Fundação Rui Osório de Castro (FROC), Acreditar – Associação de Pais e Amigos das Crianças com Cancro e Sociedade de Hematologia e Oncologia Pediátrica (SHOP), este encontro foi o primeiro, em Portugal, a reunir médicos, investigadores, associações, doentes e pais de doentes para debater o atual estado da oncologia pediátrica em Portugal.
“Temos que estudar como podemos curar estas crianças”
“A investigação em cancro tem deixado um bocado esquecida a investigação em cancro pediátrico. Esta é uma área em que tem de ser feito muito investimento, pois não tem tido tanta atenção da indústria farmacêutica porque não tem tanto alvo terapêutico”, referiu, ao Público, Luís Costa.
Durante a conferência, o presidente da ASPIC referiu que “o ambiente de investigação em cancro na pediatria é sobretudo um ambiente académico”.
Para Luís Costa, a investigação em oncologia pediátrica “não tem estrutura de base de apoio para submissão e tradução do consentimento informado que existe nos ensaios apoiados pela indústria farmacêutica”.
“Temos de estudar como podemos curar crianças e não serem portadores de consequências graves. A sua produtividade para a sociedade é muito importante”, ressaltou.
Falta de financiamento apontado pelos investigadores
O encontro serviu também para revelar os resultados de dois inquéritos, realizados entre julho e agosto deste ano.
O primeiro, dirigido a investigadores, procurou saber quem eram, onde trabalhavam e o que investigavam estes profissionais, uma vez que, segundo Bruno Cardoso, investigador do Instituto de Medicina Molecular responsável pelo tratamento dos dados do inquérito, não existe um registo oficial.
Dos 46 investigadores que responderam, um número que deverá estar muito próximo do total de cientistas que operam dentro da área da oncologia pediátrica, metade revelou não ter apoio financeiro para as suas pesquisas; aqueles que o têm, afirmaram que os fundos eram provenientes de fontes distintas, sejam nacionais, internacionais, privadas ou de angariação de fundos.
Com a investigação a decorrer, fundamentalmente, em 4 zonas do país (Braga, Porto, Coimbra e Oeiras), a maioria dos profissionais que responderam ao inquérito eram investigadores principais que colaboravam com unidades hospitalares de vários tipos; de acordo com o inquérito, uma das principais lacunas na investigação da oncologia pediátrica é a falta de tempo para as pesquisas, sendo que 40% dos inquiridos revelaram proceder às suas investigações fora do período laboral.
Relativamente ao trabalho feito atualmente, 12, dos 46 inquiridos, afirmaram estar envolvidos em ensaios clínicos, a sua maioria de fase III.
A falta de recursos humanos foi um dos fatores apontados pelos cientistas como algo que pode ser melhorado, através da contratação de profissionais que se dediquem exclusivamente a esta área de estudo.
Apesar dos muitos problemas existentes, os dados revelam que quase metades dos investigadores inquiridos tiveram os resultados das suas investigações publicados o que, segundo o estudo, “constitui um efetivo marcador de produtividade em ciência”.
Investigação é “manifestamente insuficiente”
Em Portugal, são diagnosticados, por ano, cerca de 400 novos casos de cancro pediátrico, sendo as leucemias (35%), os sarcomas (15%) e os tumores do Sistema Nervoso Central (14%), os tipos de cancro infantil mais frequentes.
De acordo com o inquérito feito a doentes de cancro infantil, sobreviventes e pais, o qual responderam um total de 492 pessoas, 3 em cada 4 pessoas consideram que investigação em oncologia pediátrica é “manifestamente insuficiente”.
A necessidade de mais informação foi um dos temas abordados neste inquérito, que revelou que 67% dos inquiridos procurou informar-se junto da comunidade médica, tendo a internet sido utilizada como uma fonte de informação em 61%.
Os dados revelaram a existência de uma falta de conhecimento acerca do Registo Oncológico Pediátrico Português (ROPP), com apenas 37% dos inquiridos a afirmar ter conhecimento da plataforma; destes, 61% não tinha a certeza sobre se a plataforma já estaria em funcionamento.
“O registo existe para se ter conhecimento da realidade nacional e poderá ter importância nalgumas estratégias em termos oncológicos, mas não tem impacto no tratamento das crianças”, referiu à TSF Gabriela Caldas, coordenadora do ROPP, garantindo que “não está a ser cumprida a lei”, uma vez que, devido à falta de profissionais, apenas 40% dos casos de cancro em crianças são registados, apesar de a lei prever que o registo seja feito a nível nacional.
Já em relação a ensaios clínicos, 64% das pessoas afirmou ter conhecimento da sua existência.
A maioria afirmou precisar de mais informações para decidir se participaria, ou não, num, e 40% dos inquiridos afirmaram reservas quanto à segurança e efeitos desses mesmos ensaios.
Ainda assim, 9 em cada 10 pais revelaram nunca ter sido abordados sobre a possibilidade de ter o filho a participar num ensaio clínico.
Governo disponível para agilizar investigação
No final do encontro, e depois de uma deixa dada por Luís Costa, que disse ser “preciso fazer uma proposta à tutela para ver se, com alguma estrutura de recursos humanos” é possível agilizar a participação de Portugal em ensaios clínicos, o secretário de Estado da Saúde afirmou estar à espera dessa proposta “para que a tutela possa analisar e para que possamos, eventualmente, trazer novidades quando for o Dia Mundial do Cancro Pediátrico [15 de fevereiro]”.
“É preciso tornar mais fluido este processo”, reconheceu António Sales, que durante o seu discurso elogiou “esforço hercúleo” dos 3 centros de referência para o cancro pediátrico em Portugal: o Hospital Pediátrico de Coimbra e os IPO’s de Lisboa e Porto, este último juntamente com o Hospital de São João.
Fonte: Diário de Notícias/Expresso/Público/TSF/Observador