A minha filha foi diagnosticada com cancro aos 20 meses de idade.
Ao longo dos anos, sofreu duas recidivas mas, quase que por milagre, sobreviveu e tem hoje 28 anos.
Por mais que me custe dizê-lo, nunca pensei que ela sobrevivesse, mas também nunca quis pensar em como seria a minha vida sem ela, mesmo que tenha, na minha cabeça, imaginado cada detalhe do seu funeral.
Nessa altura, o meu marido não fazia parte da minha vida e a minha filha mais nova era pequenina demais para compreender o estado surrealista em que a nossa vida estava mergulhada.
Embora todo esse processo tenha sido extremamente difícil, não consigo deixar de agradecer por nenhum deles ter tido de lidar com esta situação, como eu e a minha filha tivemos.
Cancro e crianças são duas palavras que não pertencem à mesma frase, mas quando se juntam causam um arrepio na espinha.
Os tratamentos da minha filha começaram no início dos anos noventa e continuaram durante toda essa década; naquela altura, a nossa normalidade era passarmos longos períodos no hospital.
Ainda hoje me lembro da mala branca que usávamos para levar as coisas de que precisávamos para o hospital. Só usávamos aquela, e nunca mais consegui usar outra. Até o nosso cão, quando nos via a pegar naquele objeto, inclinava-se com um olhar de desespero.
Curiosamente, outra das coisas que não me sai da cabeça é o tapete que exista na ala pediátrica do hospital onde a minha filha fazia tratamentos: em forma de urso com a frase “Sorria!”.
Pouco tempo depois de chegarmos, uma das mães das muitas crianças lá internadas disse-me “Se precisar de chorar, vá até à casa de banho. É o que nós costumamos fazer. É afastada o suficiente para as crianças não nos ouvirem”.
Durante o internamento, eu costumava olhar para a rua e para os carros. Dirigia a minha raiva para aqueles carros, que não paravam de fazer barulho e que, muitas vezes, acordavam a minha filha, que tanto precisava de descansar por causa dos tratamentos.
A rede informal de apoio que se formou entre as mães era incrivelmente poderosa. Mesmo sendo mulheres de diferentes idades e de origens variadas, forjámos amizades improváveis, que não se prendiam com gostos musicais, comidas preferidas ou hobbies. Mais importante do que isso, conhecíamos os medos umas das outras.
Enquanto mães, coexistimos fechadas numa bolha. Uma bolha que se chama cancro.
Durante aquele período, vi crianças a recuperar e a morrer. E vi a culpa que algumas mães sentiam quando o seu filho ficava melhor, diante do sofrimento de outras mães que acabavam por perder os seus filhos.
Tive a sorte de ter amigos e familiares que me deixaram lidar com a aflição, a indignação e a raiva com toda a honestidade que eu queria.
Opus-me sempre a conhecer as estatísticas ou a encarar os médicos como milagreiros.
Muitas vezes, pessoas bem-intencionadas falavam sobre o “permanecer otimista”, o que acendia uma raiva enorme dentro de mim. A minha vida, naquela altura, era como uma escada, com degraus irregulares, composta por ciclos de tratamento, doenças e cuidados básicos.
Mas a vida não pára. Sozinha, tive de gerir a doença da minha filha mais velha, o meu trabalho, as contas que tinha para pagar e a minha família.
Na altura da primeira recidiva, conheci o meu marido. Quando o cancro recidivou pela segunda vez, estava grávida da minha terceira filha, uma gravidez que foi vivida quase em “modo automático”: não havia espaço para positividade ou negatividade, o que nos restava era colocar o pé no acelerador e deixar que a vida nos guiasse.
Mas conseguimos chegar a bom porto.
Ainda hoje, as pessoas perguntam-me como consegui lidar com tudo isto. Não tenho resposta para essa questão, apenas digo que “esta foi a minha vida”.
O cancro, as angústias, as derrotas e a vitórias passaram a ser nossa norma.
As pessoas presumem que, enquanto pais de uma criança com cancro, estamos num estado permanente de ansiedade e stress, mas esse não foi, pelo menos, o meu caso.
Durante todo este processo houve comemorações, risos e amor e, quando olho para trás, posso dizer que esta foi, sem dúvida, uma experiência intensa, mas nem sempre de um modo negativo.
Texto redigido por Corrine Yeadon, mãe de uma sobrevivente de cancro infantil.
Fonte: Huffington Post