No dia 24 de setembro de 2015, lembro-me como se fosse hoje, enquanto os meus amigos estavam a terminar a sua primeira semana de aulas na universidade, eu estava deitada numa cama de hospital, a ver as células estaminais do meu irmão a serem infundidas no meu corpo, substituindo a minha medula óssea que se tinha virado contra mim.
No dia a seguir, enquanto os meus amigos celebravam o seu primeiro fim de semana em tempo de aulas, eu sofria uma convulsão grave.
Quando fui diagnosticada com leucemia mieloide aguda, mesmo antes de começar o meu primeiro ano da faculdade, soube que iria ter uma experiência universitária muito diferente das dos meus colegas; mas, mesmo sabendo de antemão, não tinha como prever o quão diferente seria.
No dia em que recebi o diagnóstico, senti que tinha duas opções: ou morria ou vivia a tentar salvar a minha vida. A minha forma de leucemia era de alto risco e, para piorar, a primeira ronda de tratamentos não teve a resposta esperada. Por isso, parecia que a minha primeira opção, a de morrer, era a mais provável.
Porém, quando, finalmente, ao fim de uma segunda ronda de tratamentos, entrei em remissão e pude ser sujeita a um transplante de medula, tive esperança de que seria possível regressar à minha “vida normal”.
15 meses após o meu transplante, em janeiro de 2017, voltei à faculdade. Durante 2 anos, o meu estado de saúde foi demasiado frágil; mas, acreditava que o pior, que incluiu uma doença de enxerto contra o hospedeiro, uma complicação que pode ocorrer após transplantes alogénicos, na qual as células com capacidade imunitária do dador atacam os tecidos do doente transplantado, já tinha passado.
Mas, infelizmente, o pior ainda estava para vir.
No outono de 2017, após 9 meses de relativa saúde, voltei a desenvolver uma doença de enxerto contra o hospedeiro, desta vez crónica e grave, a pior das quais se manifestou como esclerodermia em mais de 90% do meu corpo. Eu não conseguia respirar porque o meu peito não conseguia expandir-se. Eu não conseguia comer porque o meu abdómen não tinha espaço.
Ao fim de 4 semanas, deixei de conseguir virar a cabeça, de me vestir ou de fazer a minha cama. Nessa altura, os meus colegas estavam em época de exames. Eu, no hospital.
Um mês depois, entrei em insuficiência renal aguda. Voltei a ter que por a universidade em pausa. Mais uma vez, os efeitos secundários foram caóticos, e voltei a sofrer uma esclerodermia nos olhos, intestino e fígado.
Voltei à escola 9 meses depois, no outono de 2018, estava no meu último ano académico.
Foram muitas as vezes que senti que estava a viver uma vida separada dos meus colegas, como se estivesse a assistir a um filme, onde todos eles eram personagens. Eu tinha contato com eles, mas apenas pelo computador.
Mesmo assim, não são poucas as vezes em que me questiono como foi possível ter tido uma vida “tão normal”.
Finalmente, em setembro, pude voltar, novamente, a frequentar a universidade; mas, a cada duas semanas, tinha de tirar dois dias de folga para continuar os tratamentos. Tomava suplementos e fazia questão de dormir as horas suficientes; mas após mais de 1 ano praticamente presa à cama, a parte mais difícil de voltar à faculdade era fazer malabarismos com as tarefas básicas.
Todos os dias eu dizia a mim mesma para colocar um pé à frente do outro; cada dia era um dia, cada aula era uma aula; durante o segundo trimestre, reduzi a minha medicação. Mas foi aí que me comecei a preocupar com o facto de nunca mais poder ter uma vida normal, sem problemas crónicos de saúde.
A verdade é que, como me formei em medicina, conhecia muitas das doenças que eram estudadas nas minhas aulas; e conhecia não por ter lido, mas por ter passado por muitas delas.
Quando entrei na faculdade, pensava que a parte mais difícil da vida académica seriam as aulas; estava preocupada pois achava que não ia ser inteligente o suficiente para frequentar uma universidade de elite ou que não seria capaz de obter as notas necessárias para perseguir meu sonho de ser médica.
Mas a minha doença ensinou-se que a medicina é muito mais do que as notas dos exames. As minhas aulas ensinaram-me que sou perfeitamente capaz de perseguir o meu sonho.
Muitas vezes, perguntam-me se quero ser médica porque tive cancro. A resposta é não.
É verdade que perdi muito da minha identidade com esta doença, mas já em criança me mascarava de médica e, em adolescente, já pesquisava sobre transplantes de células estaminais.
Eu persegui os meus sonhos não porque eu tinha cancro, mas porque os meus sonhos faziam parte de quem sou. Obviamente que acredito que a maioria dos meus colegas de faculdade pensam em mim como a rapariga que teve cancro.
Esta não é uma lição fácil, e não acho que o bem que está por vir chegue para compensar o mal que já sofri. Sofri com a pessoa que eu era e com o futuro que me esperava. Houve lágrimas, raiva, tristeza.
A experiência da universidade muda as pessoas; para mim, essa diferença envolveu um ADN inteiramente novo a correr pelas minhas veias, cortesia de um transplante de medula óssea.
Hoje, questiono-me sobre se algum dia estarei livre desta doença? Será que algum dia estarei livre do trauma que este cancro imprimiu na minha mente?
Por enquanto, não tenho as respostas para essas questões.
Mas de uma coisa tenho a certeza: tenho um futuro e vou fazer de tudo para que esse futuro seja o melhor.
Texto redigido por Brooke Vittimberga, uma sobrevivente e futura médica
Fonte: St. Baldrick’s Foundation