O que aprendemos com a COVID-19 no combate ao cancro infantil

Texto redigido por Fabianne Carlesse, médica no Hospital do GRAACC – Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Cancro, no Brasil

Entre o final de 2019 e o início de 2020, o mundo foi surpreendido por um novo vírus, um novo tipo de coronavírus, denominado Sars-CoV-2 ou COVID-19.

Até então, a maioria das infeções respiratórias em humanos relacionadas com este grupo de vírus envolvia espécies de baixa patogenicidade, que levavam a sintomas semelhantes a uma gripe comum.

Contudo, este novo coronavírus demonstrou ter a capacidade de pode causar infeções graves, especialmente em alguns grupos, como idosos e indivíduos (crianças ou adultos) com imunossupressão.  E aqui entramos no território das crianças submetidas a tratamentos oncológicos.

Antes de mais nada, é importante ressaltar que crescer enquanto se combate um cancro é um desafio enorme. Para além de terem que lidar com os duros tratamentos, como a quimioterapia, estas crianças também têm que aguentar os vários efeitos secundários decorrentes. Um desses efeitos é a baixa imunidade, que predispõe estes pequenos pacientes ao desenvolvimento de formas graves de infeções — como é o caso da própria COVID-19.

A complexidade do tratamento, juntamente com as repercussões no sistema imunitário, impõe limites à rotina das crianças e das suas famílias, principalmente no que diz respeito às atividades sociais, sendo que ambientes com grandes aglomerações de pessoas exigem cuidados redobrados.

No caso da infeção pelo vírus Sars-CoV-2, na altura, pouco se conhecia sobre a sua forma de ação em indivíduos com imunossupressão – mesmo países que tinham tido contacto com a doença antes de esta chegar ao Brasil, não haviam desenvolvido protocolos, pelo que todo este processo de adaptação foi um processo de aprendizagem constante. A única coisa certa era que não podíamos privar estas crianças do seu tratamento oncológico. E, por isso, fomo-nos adaptando à medida que o tempo ia passando.

Não existiam estudos ou registos sobre o efeito da COVID-19 em pacientes pediátricos e, à medida que o ano foi avançando, fomos aprendendo com os todos os casos que foram surgindo, com base em novas descobertas e com a nossa própria experiência. A nossa experiência não foi fácil.

Desde sempre que seguimos protocolos de segurança rígidos, dada a alta complexidade dos casos de cancro infantojuvenil, mas com a pandemia vimo-nos forçados a criar protocolos exclusivos de atendimento ao público, com o objetivo de evitar aglomerações, manter o distanciamento social, higienizar frequentemente as mãos e atender todos aqueles que de nós precisam da melhor maneira possível.

Especializados em casos de cancro em crianças e adolescentes, tentámos aprimorar os nossos conhecimentos e reforçámos (ainda mais) as medidas de segurança que já tínhamos. O cancro não espera e os tratamentos tinham de continuar.

Aprendemos a lidar com todas as formas de COVID-19, desde os casos mais leves até aos casos mais graves. Graças a uma equipa multidisciplinar muito dedicada, fomos sempre bem-sucedidos.

Num dos casos graves, utilizámos um bloqueador de recetor de interleucinas (responsável pela resposta imune do organismo) para diminuir os mediadores inflamatórios e obtivemos uma resposta incrível por parte do paciente.

Num outro caso, o paciente passou por uma hemodiálise contínua, em que foi utilizado um filtro para eliminar toxinas e outras substâncias do corpo, o que possibilitou a recuperação dos rins e auxiliou no tratamento da COVID-19.

Foi criada uma unidade exclusiva de atendimento para pacientes com sintomas respiratórios que tivessem sintomas suspeitos. Realizámos campanhas internas dirigidas a pacientes, acompanhantes e profissionais de saúde da instituição. Desenvolvemos protocolos específicos para diagnóstico e acompanhamento de crianças com COVID-19. E implementámos a realização de treinos para as equipas médicas. Durante este percurso, aprendemos que cada caso deve ser tratado individualmente.

Até ao momento, em que não se dispõe de uma terapia específica para a doença, sabemos que a deteção precoce e um suporte clínico adequado de uma equipa coesa e bem treinada fazem toda a diferença na evolução da saúde das crianças.

Enfrentamos (e continuamos a enfrentar) um desafio sem precedentes. Mas acredito que sairemos desta situação fortalecidos, com a definição de novos protocolos de prevenção e tratamento para resguardar os nossos pacientes.

Mesmo com todas as limitações impostas pela pandemia, os tratamentos não pararam no GRAACC.

Fonte: Saúde

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