Com o aparecimento da pandemia da COVID-19, laboratórios em todo o mundo viram-se obrigados a encerrar; mas agora, com o iminente desconfinamento, os cientistas preparam-se ansiosamente para voltar ao trabalho.
A propósito desse esperado regresso, 3 investigadores do Dana-Farber/Boston Children’s Cancer and Blood Disorders Center, nos Estados Unidos, que operam na área da oncologia pediátrica partilharam algumas das experiências e desafios que tiveram de enfrentar durante esta pandemia.
Yana Pikman, investigadora principal do Pikman Lab
O Pikman Lab é um laboratório focado no desenvolvimento de terapias direcionadas para leucemia
Quando as atividades de pesquisa foram interrompidas, em meados de março, eu estava a finalizar a abertura deste laboratório e tinha acabado de contratar o meu primeiro técnico de pesquisa.
O nosso laboratório trabalha com linhas celulares de leucemia e também com amostras de pacientes primários. Alguns dos estudos que estávamos a desenvolver foram interrompidos e não conseguimos recolher amostras novas para estudos sobre a leucemia. Além disso, as nossas investigações com cobaias animais, onde testamos novas hipóteses de tratamento, também foram interrompidas.
É inglório, mas a verdade é que, sinto que estou a desiludir muitos dos pequenos pacientes que acreditam em nós e que confiam no nosso trabalho para desenvolver novas terapias.
Mas nem tudo foi mau…esta pausa forçada fez com que conseguíssemos estar em maior contacto com as pessoas, permitindo discussões mais alongadas com alguns dos meus mentores e colaboradores. Foi mais fácil agendar um horário que fosse conveniente para todos, o que fez com que as nossas reuniões fossem mais aprofundadas.
Em alguns casos, essas discussões fizeram uma grande diferença, ajudando-nos a ter novas ideias e a criar novas estratégias de pesquisa, que nos permitirão avançar no planeamento de projetos futuros.
Brian Crompton, investigador principal do Crompton Laboratory
O Crompton Laboratory dedica-se a investigar as áreas da proteómica e da genómica, de forma a criar novas abordagens para o tratamento de neoplasias pediátricas de tumores sólidos
No meu laboratório, antes desta pandemia, estávamos a tentar converter perfis de tecidos baseados em pacientes que participaram em testes clinicamente relevantes, de forma a conseguirmos obter uma melhor hipótese de cura.
Com o encerramento das instalações, não conseguimos realizar novas experiências. No entanto, tivemos a sorte de ter gerado muitos dados interessantes pouco antes do fecho, pelo que nos conseguimos concentrar em analisar esses dados a partir das nossas próprias casas.
Quando voltarmos ao laboratório, vamos entrar numa corrida frenética para colocar os projetos que viemos a desenvolver em funcionamento; ainda assim, sabemos que existirão restrições de tempo e que o acesso a recursos centralizados será limitado.
Precisamos de manter as expectativas o mais realísticas possíveis, mesmo que queiramos acelerar o nosso progresso de pesquisa.
Nesta nova fase, é importante que não nos esqueçamos da próxima geração de cientistas. No caso dos estagiários, por exemplo, sabemos que poderá levar meses até que as instituições comecem a contratar. Então, necessitamos de encontrar uma forma de ajudar estes indivíduos; precisamos de proteger o futuro da pesquisa em oncologia pediátrica, para que as descobertas e as curas não se percam com esta pandemia.
Ainda assim, e embora a COVID-19 tenha representado um grande obstáculo para o progresso das nossas pesquisas, a verdade é que enriqueceu o relacionamento que eu e a minha esposa tínhamos com os nossos filhos.
Mariella G. Filbin, investigadora principal do Filbin Lab
O Filbin Lab estuda tumores cerebrais pediátricos, incluindo gliomas de alto grau, gliomas pontinos intrínsecos difusos e tumores cerebrais embrionários malignos.
Embora no meu laboratório soubéssemos que o encerramento das instalações era inevitável, não sabíamos quando, e durante quanto tempo, isso aconteceria.
Quando nos apercebemos que o fecho iria durar meses, começámos logo a pensar em como nos iriamos reorganizar e de que forma poderíamos continuar a trabalhar a partir de casa.
Por isso, focámo-nos na análise de dados, uma vez que, antes da pandemia, tínhamos conseguido finalizar um banco de dados de sequenciamento em tumores cerebrais pediátricos.
Especificamente, as mulheres cientistas do meu laboratório que disseram que sempre quiseram aprender mais sobre a ciência da computação e programação – mas que nunca tinham tido tempo – decidiram aprender e fazer cursos e, desta forma, começaram a analisar dados de sequenciamento de RNA de células únicas, algo muito difícil de fazer.
Uma coisa que foi difícil de contornar foi o facto de não podermos fazer o processamento disponível de tumores frescos da sala de operações; essas amostras são extremamente preciosas quando saem do paciente, e geralmente fazemos a dissociação e o sequenciamento de células individuais de forma imediata.
Como isso não era possível, todas as amostras precisaram de ser congeladas, o que diminuiu a qualidade das mesmas.
Além disso, também existe o facto de que atualmente, não podemos traduzir na prática todas as descobertas que fizemos em teoria, uma vez que não conseguimos completar o nosso trabalho em cobaias, algo necessário para avançarmos com ensaios clínicos.
Agora, com o regresso à normalidade, é importante não nos esquecermos que o cancro infantil precisa, mais do que nunca, de nós, cientistas. Temos de garantir que a voz dessas crianças é ouvida.
Fonte: Dana-Faber Cancer Institute