Nós éramos uma unidade familiar tradicional da sociedade, composta por dois pais e dois filhos. Uma família onde o cancro infantil não tinha lugar.
Mas o nosso primeiro Natal como uma família estava longe de ser tradicional, quando fomos obrigados a passá-lo, os quatro, amontoados num quarto de hospital a ver a nossa filha de três anos a receber a quimioterapia que lhe era bombeada para dentro do seu corpo, enquanto a ouvíamos chorar.
Três semanas antes desse doloroso momento, a Matilda tinha sido diagnosticada com uma leucemia linfoblástica aguda; e foi a partir daí que a nossa vida familiar mudou por completo.
Aquela unidade familiar rapidamente teve que se dividir em duas para sobreviver. Enquanto o pai passava as noites com Matilda no hospital, eu passava as minhas em casa a amamentar o nosso filho Marley, de apenas quatro meses.
A sensação de dar um beijo de boa noite e deixar a minha filha numa cama de hospital toda a noite, durante semanas a fio, era horrível. Eu ouvia o meu instinto maternal gritar para eu ficar ali, para estar ali com ela. Mas nas semanas imediatamente após o diagnóstico da Matilda, nós precisávamos de fazer o que fosse melhor para os nossos dois filhos. Precisávamos de fazer o que fosse preciso para lidar e superar aquela situação.
Para nós, isso significava que a nossa família se tornaria inesperadamente mais forte, como duas equipas temporárias de pais e filhos. Com cada equipa a confiar na outra instintivamente para assumir novos papéis, ainda que claramente definidos, enquanto ambos trabalham para o mesmo propósito.
Nós tínhamos dois filhos, o que fez com que o cancro infantil não afetasse apenas a infância da Matilda, mas também a do Marley.
Lutar continuamente para atender às necessidades de duas crianças extremamente dependentes, de duas maneiras muito diferentes, impôs que fossemos sujeitos a uma enorme pressão.
O diagnóstico da Matilda eliminou qualquer coerência e rotina necessárias na nossa vida.
O hospital passou a ser o segundo lar do Marley; ele acordou muitas manhãs apenas com a mãe, ou o pai, em casa, perdeu atividades com os seus colegas, ou seja, foi afetado de muitas maneiras.
Tem havido muitos desafios adicionais nesta jornada devido ao fato de ele ser tão jovem, e só podemos esperar que a sua juventude evite qualquer impacto duradouro, e que ele possa finalmente conhecer uma vida que não gire em torno do cancro infantil.
O casamento ajudou a formar e a estruturar a nossa unidade familiar e o diagnóstico de cancro da Matilda provou ser um dos testes mais difíceis.
Passar de ser marido e mulher para mãe e pai muda-nos enquanto pessoas, muda a forma como utilizamos o nosso tempo e muda também os compromissos que podemos, ou não, ter. No entanto, quando os papéis familiares tradicionais subitamente se abalam e nós temos de nos tornar não só num parceiro e num pai, mas também num cuidador a tempo inteiro, numa enfermeira não qualificada em casa ou num provedor de família, o casamento é inevitavelmente levado ao limite.
Nós, enquanto unidade, aprendemos a crescer nesses novos papéis familiares e, com muita confiança e apoio, unimo-no e tornámo-nos numa equipa mais forte por causa disso.
Não poderia ser mais verdade que o cancro infantil não afeta apenas a criança, mas toda a família. Avós voltam a tornar-se mães, a família extensa torna-se mais próxima e os amigos tornam-se, ainda mais, parte da família graças a todo o apoio.
É quando o cancro infantil nos bate à porta que percebemos que a unidade familiar que achávamos que tínhamos era, na verdade, muito mais completa do que aquilo que poderíamos imaginar.
Texto redigido por Gabby Fisher, mãe de uma menina com doença oncológica e colaboradora da Cancer Research UK Kids