Quando a jornalista Pip Sloan, do The Telegraph, entrou em contato com Ellen Bisci, de 24 anos, para agendar uma entrevista, a primeira questão que a jovem lhe colocou era se a sua mãe e tia a podiam acompanhar.
“Tenho algumas dificuldades em lembrar-me das coisas depois de ter sofrido um derrame”, explicou.
A perda de memória é apenas um item na vasta e assustadora lista de efeitos secundários que Ellen sofreu como resultado dos tratamentos contra uma leucemia com a qual foi diagnosticada em 2005, quando tinha 9 anos.
Agora, esta sobrevivente quer contar a sua história para ajudar a aumentar a consciencialização sobre os efeitos secundários causados pelos tratamentos oncológicos.
No dia do encontro, Ellen surgiu, tal como combinado, com a sua mãe Tina e a sua tia Kay.
“Tudo começou quando eu reparei que a Ellen tinha pequenos hematomas espalhados pelo corpo. Logo nesse dia, levei-a ao hospital e ela foi sujeita a vários exames. No dia a seguir, ligaram-nos do hospital, e disseram-nos que o médico queria falar connosco. As notícias não eram as melhores, a Ellen tinha sido diagnosticada com leucemia promielocítica aguda”, recorda Tina.
Esta forma de leucemia é uma das mais raras e agressivas; caso não seja tratada, pode ser fatal apenas 14 dias após o aparecimento de sintomas.
Nos 6 meses seguintes, enquanto era submetida a quimioterapia no Hospital Great Ormond Street, no Reino Unido, Ellen desenvolveu úlceras na boca, queimaduras no sistema digestivo, edema pulmonar e uma reação alérgica às plaquetas que estava a receber.
“Nessa altura, achei que a minha filha não ia conseguir sobreviver. Ela estava a lutar contra os tratamentos. Mas, graças a Deus, os médicos foram capazes de lidar com isso”.
Surpreendentemente, Ellen fala sobre essa altura com uma naturalidade quase arrepiante.
“A primeira ronda de tratamentos não foi nada comparada com a recidiva”, diz; a jovem entrou em remissão em junho de 2005. Em outubro, ainda em recuperação, Ellen foi autorizada a frequentar a escola, embora em tempo parcial.
Passaram-se 3 anos; Ellen estava a tornar-se uma excelente aluna, com sonhos de estudar Matemática na Universidade de Oxford ou de Cambridge.
Embora a leucemia promielocítica aguda seja uma das formas mais agressivas de leucemia, a recidiva é incomum. Por isso, nessa altura, a família estava confiante de que Ellen estava bem.
“Mas, de repente, comecei a sentir dores muito fortes nas pernas. Eram de tal maneira angustiantes que deixei de fazer exercício. Não aguentava”.
Alarmadas, mas sem nunca pensarem que estes sintomas estivessem relacionados com a “extinta” doença de Ellen, a mãe Ellen e a tia Kay levaram a menina ao hospital.
Nessa mesma noite, e com apenas 12 anos, Ellen sofreu um derrame.
“Ela perdeu a capacidade de andar e de falar”, relembra a tia.
Eventualmente, Ellen recuperou a consciência, mas o caminho que a esperava ia ser bastante tortuoso.
A jovem foi submetida a quimioterapia que incluía ATRA, uma preparação de altas doses de vitamina A e arsénico, um tratamento experimental para a leucemia promielocítica aguda; além disso, Ellen passou muitas horas a fazer terapia para que pudesse andar novamente.
“Em alguns dias eu chegava às 8h ao hospital e só saía de lá às 21h. O arsénico é um veneno, então eu precisava de ser monitorizada cuidadosamente”.
O tratamento com ATRA terminou em 2008. Mas, ao contrário do que aconteceu na primeira vez, Ellen ficou com efeitos secundários que lhe mudariam a vida.
“Perdi um terço da massa cerebral devido ao derrame. Por causa disso, tenho perda de memória a curto prazo. Às vezes, tenho dificuldade em encontrar as palavras que estou à procura”.
Dores de cabeça e tonturas, tudo efeitos secundários do tratamento com ATRA, também afetaram Ellen durante todo o tratamento; depois, esses sintomas ficaram tão fortes que a jovem ficou acamada. Mais preocupante ainda, Ellen começou a ter convulsões, inicialmente diagnosticadas como um sintoma de transtorno de stress pós-traumático.
“Encaminharam-na para tratamento psiquiátrico, mas 2 anos depois, descobriram que, na verdade, a minha filha sofria de síndrome de alta pressão cerebral, que se acredita ser outro efeito do tratamento com ATRA”, conta Tina.
“Sinto que perdi 2 anos da minha vida. Todos os dias era obrigada a lidar com dores de cabeça insuportáveis. Sinto que, nessa altura, os médicos falharam.”
Ellen fez uma cirurgia na véspera de Natal de 2010, para colocar um tubo que drenasse o excesso de líquido cerebral para o estômago.
“Senti-me bem durante 3 semanas, mas depois voltei ao mesmo”; desde então, a jovem já foi submetida a 10 cirurgias para ajustar a derivação e colocar um monitor de pressão no seu crânio.
Embora as dores de cabeça tenham melhorado, Ellen ainda sofre de fadiga crónica e síndrome da taquicardia postural.
Recentemente, os médicos descobriram que Ellen sofre de “insuficiência cardíaca leve”, uma condição em que o coração perde gradualmente a capacidade de bombear sangue de forma eficaz pelo corpo. Apesar de ter sofrido uma recidiva há mais de 10 anos, entre julho e dezembro do ano passado, a jovem visitou o hospital 65 vezes.
A sobrevivente é perentória ao dizer que o cancro lhe roubou a infância.
“Não digo isto apenas pelas dores que sinto ou pelas operações a que foi sujeita. Digo isto porque perdi amigos, perdi experiências, perdi tudo aquilo que as crianças e os adolescentes devem experienciar”.
No entanto, houve uma coisa que esta jovem não perdeu: a capacidade de sorrir.
“Mesmo nas alturas mais dolorosas, o riso fez sempre parte da nossa rotina”, conta, emocionada, Tina.
“Foi o riso que nos fez olhar em frente. Lembro-me de um dia, a Ellen tinha acabado de recuperar a consciência, e quando demos por ela, ela tinha comido 13 taças de cereais. Ela não se lembrava de que já tinha comido as outras 12. Fartámo-nos de rir”.
Atualmente, Ellen usa a sua experiência para ajudar outras pessoas que, tal como ela, foram diagnosticadas com um cancro infantil.
Embaixadora da Trekstock, uma instituição de apoio a jovens com cancro, sempre que pode, e que tem energia, Ellen discursa em eventos e, mais recentemente, criou um blog (thelifeofmeemb.wordpress.com).
“Todas as semanas há mais e mais pessoas a partilharem as suas histórias. Sinto que encontrei a minha tribo. Há sobreviventes e pessoas que ainda lutam contra o cancro; todas elas têm histórias diferentes”.
Embora Ellen insista que não teria sido capaz sobreviver sem a ajuda da sua família, dos seus médicos e de instituições, Tina contrapõe.
“Não fomos nós, foi ela, foi a firmeza dela que a trouxe até aqui. Ela foi sempre corajosa, nunca reclamou, nem reclama, de nada.”
Apesar de tudo, Ellen diz que é uma rapariga feliz.
“Posso não ter a vida que imaginava, mas a verdade é que estou viva. E, sempre que ajudo alguém, sinto-me mais viva ainda”.
Fonte: The Telegraph