“O Amor vence sempre”: a história de Francisco, Cátia e Carlos

Em agosto de 2018, a vida de Cátia e Carlos mudou para sempre quando, com apenas 2 anos, o seu filho Francisco foi diagnosticado com leucemia.

Este é o relato cru de uma história de altos e baixos, contada na primeira pessoa. Um testemunho impressionante de uma jornada que, felizmente, teve um final feliz.

Nunca acreditei que as mães tinham um sexto sentido. Hoje acredito.

Semanas antes do diagnóstico do Francisco, eu já sentia que ele não estava bem.

Sempre que estava com ele sentia que não o conseguia proteger, que se passava algo que me estava a ultrapassar. Sentia que não tinha forças para dar ao meu filho o que ele estava a necessitar.

Um dia, ao dar-lhe banho, reparei que o Francisco estava com nódoas negras e petéquias em sítios estranhos. A acrescentar a isto, o Francisco estava pálido, sem apetite. Algo não estava bem, mas parecia que só eu reparava nisto, uma vez que o meu marido e a minha mãe pareciam não acreditar.

“Estás a ficar hipocondríaca, Cátia. Parece que queres arranjar uma doença à força”, diziam-me.

Mas o meu coração começou a ficar cada vez mais apertado por sentir que o meu filho não andava bem.

Cerca de dois ou três dias depois de ter reparado nas nódoas negras, confidenciei com o meu marido no que andava a pensar. Que podia ser leucemia. Parecia uma loucura, mas o meu coração sentia, sofria…

“Cátia, tu não andas bem, o Francisco está bem, é do calor!”, respondeu ele.

Mas no dia seguinte, para acalmar as minhas dúvidas, fomos com o Francisco até ao Hospital de Sta. Maria, em Lisboa. Demos entrada na triagem e a partir dali cada segundo que passava pareciam horas – aos poucos, o mundo começou a desabar aos bocadinhos sobre mim. O Carlos também estava preocupado, mas manteve-se sereno.

Nesse dia tivemos sempre ao nosso lado a Drª Leonor, a pediatra do Francisco, que ainda hoje nos acompanha.

O Francisco fez análises, esperou, e passado umas horas voltou a repetir as análises. Estranho. Até que, por volta das 23h, chamam-nos até ao gabinete. Entro com o meu filho ao colo, agarrado a mim. Sento-me, o médico olha para mim e pergunta se estou sozinha. Digo-lhe que não. E foi ali que começou o verdadeiro terror das nossas vidas.

As palavras do médico, passados 4 anos, continuam a soar na minha cabeça.

“Mãe, vou chamar também o pai!”

De repente, sinto lágrimas a caírem-me pelo rosto. Ao meu colo, o Francisco também chorava. “Mãe, eu não tenho dói-dói”, dizia.

O que sentia, mesmo ainda sem nada saber, era aterrador. De uma impotência total.

O Carlos entra no consultório, perdido, assustado… o médico diz-nos que o Francisco tem que ir, no dia seguinte, ao IPO de Lisboa fazer um exame, mas que já iria ficar internado aquela noite, pois necessitava de transfusão de sangue.

Naquele momento, o meu marido, o pilar da nossa família, a pessoa serena, entrou em negação. Na cabeça dele, a sua missão era salvar o filho ali, agora, no imediato…, mas não era assim, o melhor remédio que estava nas nossas mãos era o AMOR.

No dia 7 de agosto, sentimos que a nossa vida estava a acabar. Sentimos que íamos perder o nosso filho.

Às 8h45 do dia seguinte, a ambulância chegou para nos levar para o IPO. Ao nosso lado estava a nossa pediatra. E nós estávamos ali, assustados, a desejar acordar daquele pesadelo, mas sem conseguir.

Chegámos ao IPO por volta das 9 horas.

A minha sogra e o meu primo já lá estavam à nossa espera. O nosso maior suporte. A família. A força e a união de que precisávamos, num momento que foi de muita dor e lágrimas.

Assim que demos entrada no Hospital de Dia, senti dentro de mim uma leveza. Respirei fundo e agradeci por estar ali. Era ali que o meu filho iria ser tratado. O meu sexto sentido tinha finalmente tomado uma razão de ser.

Naquela sala pairavam a alegria e a vontade de viver. Crianças carequinhas corriam e brincavam como se nada se passasse com elas. Nesse mesmo momento olhei à minha volta, e fui buscar forças a um lugar que ainda hoje não sei.

Agarrei-me ao meu filho e disse para mim mesma: “Eu acredito. Nós vamos vencer filho!”.

Duas horas depois de o Francisco ter feito um medulograma, a Dra., Claúdia e a Dra. Teresa confirmam o diagnóstico. O meu filho tinha leucemia linfoblástica aguda tipo B.

“E agora Doutoras?!”

Surgiram muitas dúvidas, perguntas, incertezas…, mas uma coisa era certa: amor nunca iria faltar ao nosso filho. Muito amor. Eu e o pai estávamos ali para tudo o que fosse necessário.

No final do almoço, seguimos para o 7º piso – Internamento. O nosso menino, com os seus dois anos e meio de pura inocência, manteve-se sempre bem-disposto, sempre com um sorriso na cara.

Enquanto o Francisco e o primo Zé brincavam na sala de espera, as auxiliares explicaram-nos como tudo iria funcionar.

Naquele 7º piso respira-se paz, alegria, muito amor. Mas, acima de tudo, dor e lágrimas silenciosas.

No dia seguinte, o Francisco deu início ao protocolo do tratamento. Estava tudo encaminhado. Mas cada criança é diferente. Fomos informados de todo processo e das possíveis consequências que podiam advir, informações que nos foram dadas pelo médico que ainda hoje segue o Francisco, o nosso Dr. Ximo.

E foi assim que começou… Quimioterapia, corticoides, transfusões de sangue, de plaquetas, antibióticos. O meu filho!

Os dias foram passando até que o Francisco apanhou uma bactéria nos intestinos que se propagou para o rabinho – começavam as consequências dos tratamentos. Dores, muitas dores. Ninguém estava à espera que aquilo acontecesse, muito menos nós, os pais.

A equipa médica decidiu suspender o protocolo e focar-se na cura daquela bactéria… mais antibióticos, muitos antibióticos. Mas as dores cada vez eram mais, já não havia antibiótico nem morfina que lhe valesse.

Lembro-me que na última noite, antes do Francisco ser transferido para o Hospital D. Estefânia, lhe deram uma dose mínima de anestesia para ver se ele conseguia descansar um pouco.

Nessa mesma noite, por volta das 3h da manhã, os enfermeiros dão-me autorização para chamar o pai. O Francisco já estava com os olhos côncavos. Ali, vi o meu filho prestes a deixar-me. Foi uma noite terrível. Sem forças, a sentir-me impotente como nunca me tinha sentido, só pedia para ser eu no lugar do meu filho.

No dia seguinte, a equipa médica decide partir para a operação. Era um risco muito grande, mas o se o meu filho não fosse operado, haveriam outros riscos a enfrentar.

Sem forças, acamado, algaliado, o Francisco foi transferido para o Hospital D. Estefânia de ambulância. O pesadelo teimava em não ter fim.

Mas nós sempre acreditámos no nosso filho e na sua força de viver!

A bactéria estava a apoderar-se da sua nádega esquerda, e a criar tecidos mortos. Quando o deixei naquela sala de operações, não sabia se voltava a ver o seu sorriso.

Felizmente, a operação correu bem. O Francisco foi colocado em coma induzido para não sofrer. Durante aqueles 4 dias em coma, estivemos sempre juntos, ele, eu e o pai!

Naqueles dias, o Francisco perdeu a pouca massa muscular que ainda tinha e deixou de andar. Mas, de todos os males, esse era o menor.

Passado uma semana, voltámos para a nossa nova casa, o IPO. Íamos retomar a luta contra a leucemia. O nosso filho, frágil, muito frágil, voltou aos tratamentos. Mas desta vez, tudo ia correr bem. Tínhamos tudo para dar certo, nós sabíamos que o pior já tinha passado!

Lutas diárias, constantes, mas com a nossa família e amigos sempre presentes… E claro, amor, muito amor!

Passámos cerca de 2 meses em hospitais. Pelo meio, alguns contratempos, mas nada que os nossos profissionais de saúde não conseguissem “resolver”.

E, num piscar de olhos, passaram-se 2 anos. A nossa vida deu uma verdadeira reviravolta, com internamentos, tratamentos, ambulatórios, doses enormes de desespero e de angústia… Mas a força de viver do nosso filho era tanta que foi maior que tudo isso!

E nós aprendemos tanto com ele!

Passados esses 2 anos, podemos respirar um bocadinho de alívio. Finalmente o Francisco ia começar a ter uma vida mais normal. O seu último medulograma vinha limpo. Já não havia células cancerígenas no seu corpo.

E de repente, em 2020, aparece a COVID-19. Um sentimento de medo, de muito medo.

Terminados os tratamentos há relativamente pouco tempo, o Francisco fica infetado. Estivemos 20 dias isolados, mas tranquilos e confiantes.

Avizinham-se mais 2 anos atípicos na nossa vida e na vida de todos, 2 anos de pandemia, de máscaras, de cuidados redobrados. Mas para nós, aquilo já não era novidade, era uma continuidade.

Mais 2 anos se passaram, e hoje, o nosso filho, o Francisco, tem 6 anos, quase 7.

O Francisco tinha apena dois anos e meio quando o dói-dói se apoderou dele! Hoje é um menino cheio de força e muito curioso, que já nos questiona muito acerca da doença dele. Nós, como pais, tentamos explicar da melhor maneira, sensibilizá-lo a ele e àqueles que o rodeiam.

E assim foram os últimos 4 anos da nossa vida, muito resumidos em palavras que, ainda hoje, nos causam desconforto, dor …

Os medos e incertezas viverão sempre connosco. Não vemos uma simples nódoa negra como víamos antigamente…. Aprendemos a viver um dia de cada vez, a aproveitar a vida ao máximo, a desvalorizar o que realmente não importa!

Não podemos terminar este testemunho sem agradecer ao nosso SNS. Se é o melhor ou o pior, isso não sabemos, mas sabemos que sempre tivemos os melhores profissionais ao nosso lado. E é a eles que lhes devemos a vida do nosso filho.

Estamos profundamente gratos ao Hospital de Sta. Maria, ao Hospital D. Estefânia, ao Hospital Dr. Fernando da Fonseca e ao Instituto Português de Oncologia de Lisboa.

Aos nossos pais, os avós do Francisco, que derramaram lágrimas de sangue, que sofreram lado a lado connosco, e que são o nosso suporte, o nosso obrigada.

Obrigado ao primo Zé, ao nosso Zé, que esteve sempre ali para o Francisco, para brincar, para cozinhar! E obrigado à restante família, que esteve sempre connosco!

Temos que agradecer também a todas as famílias do IPO, que estiveram connosco no internamento e que agora também fazem parte das nossas vidas. São amigos para a vida!

E por último, a todas as estrelinhas que, infelizmente, já não estão connosco. Mas que tanto nos ensinaram!

Dizem que a união faz a força. E é verdade… e nós tivemos tanta união e tanta força. Nós e o nosso filho, o nosso Francisco.

O amor vence sempre!

E um dia, meu filho, saberás a força que o amor tem!

Com amor,

Os teus pais,

Cátia e Carlos

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