Ver, ouvir, pensar, sonhar acordado – na verdade, o ato de “fazer qualquer coisa” – ativa os neurónios no cérebro.
Mas para pessoas com predisposição para desenvolver tumores cerebrais, isso pode ser um problema; pelo menos, de acordo com uma investigação realizada pela Universidade de Washington e pela Universidade de Stanford, ambas nos Estados Unidos, que mostrou que a atividade neuronal normal do dia-a-dia pode conduzir à formação e crescimento de tumores cerebrais.
Os cientistas estudaram ratos geneticamente propensos a desenvolver tumores nos nervos óticos, o feixe de neurónios que transporta sinais visuais dos olhos para o cérebro.
Os animais serviram de modelo para crianças com a condição genética neurofibromatose tipo 1 (NF1). Cerca de uma em cada seis crianças com NF1 desenvolve tumores do nervo ótico de baixo grau aos 7 anos de idade.
Nesta investigação, ratos com mutações Nf1 criadas sob iluminação normal desenvolveram tumores; os animais que foram mantidos na escuridão durante um período crítico de desenvolvimento, não.
As descobertas, publicadas na revista Nature, sugerem que a atividade neuronal desempenha um papel subestimado nos cancros do sistema nervoso, o que, de acordo com os cientistas, abre novos caminhos para a prevenção de tumores cerebrais em crianças com maior probabilidade de os desenvolverem.
“Os gliomas óticos são muito comuns em crianças com NF1 e podem causar perda de visão. Atualmente, não existe uma forma eficaz de prever quem desenvolverá tumores ou qualquer forma de os evitar. Mas, agora que sabemos que esses tumores cerebrais são causados pela exposição à luz e atividade neuronal, podemos começar a pensar em estratégias de prevenção. Talvez possamos dar às crianças óculos de sol, com lentes otimizadas, que bloqueiem certos comprimentos de onda da luz, ou reaproveitar fármacos que suprimem a atividade neuronal excessiva e protejam essas crianças de desenvolver tumores cerebrais e de perder a visão”, disse David H. Gutmann, um dos cientistas envolvidos na investigação.
Anteriormente, Michelle Monje, outra das autoras da investigação, já havia demonstrado que a atividade neuronal impulsiona o crescimento de uma forma agressiva de cancro no cérebro.
Ainda assim, “não estava totalmente claro se a própria atividade neuronal desencadeava o processo de formação do tumor ou se apenas estimulava o crescimento de tumores iniciados por outros processos”, disse.
Como parte desta investigação, os cientistas usaram ratos com mutações no seu gene Nf1. Os animais começaram a desenvolver tumores de baixo grau nos nervos óticos por volta das 9 semanas de idade, e virtualmente todos foram diagnosticados com tumores entre as 12 e as 16 semanas de idade.
Como os neurónios do nervo ótico se tornam ativos quando expostos à luz, os cientistas investigaram se eles poderiam reduzir a atividade neuronal – e, portanto, a formação de tumores – simplesmente mantendo os ratos longe da luz.
Assim, criaram ratos que foram mantidos entre as 9 e as 16 semanas de vida na escuridão; após este período, os cientistas verificaram se existia evidência de tumores.
“Os resultados foram surpreendentes. Os ratos criados no escuro não desenvolveram tumores; por outro lado, todos os animais criados com luz, sim, apesar de ambos os grupos terem uma predisposição genética idêntica para desenvolver tumores do nervo ótico”, explicaram os cientistas.
Numa segunda fase, os investigadores tentaram verificar o papel crucial da exposição à luz e reduziram a janela crítica para a idade de 6 a 12 semanas. Nenhum dos animais criados no escuro durante esse período desenvolveu tumores.
Contudo, colocar animais com mais de 12 semanas, quando os tumores já se tinham formado, na escuridão, mostrou ajudar a retardar o crescimento do tumor, mas não o seu tamanho.
Pan Yuan, outro dos investigadores, mostrou que a ligação entre a luz e os tumores requer uma proteína chamada neuroligina 3. Quando os nervos óticos são estimulados, os ratos com mutações Nf1 libertaram níveis anormalmente elevados de neuroligina 3.
O bloqueio da proteína com um medicamento, ou a modificação genética de ratos de forma a eliminar o gene da neuroligina 3, resultou em tumores menores e em menor quantidade.
Além disso, os tumores cerebrais de pessoas também são ricos em neuroligina 3, o que sugere a possibilidade de direcionar a proteína como um tratamento para tumores cerebrais.
Ao analisarem amostras de tecido de 19 pessoas com tumores cerebrais de baixo grau, os cientistas encontraram altos níveis de neuroligina 3, independentemente de terem surgido em crianças com NF1 ou não.
“Todos estes dados servem para nos ensinar que, durante anos, todos nós ignorámos um tipo de célula muito importante para o desenvolvimento de cancros sistema nervoso: os neurónios”, concluíram os cientistas.
Fonte: Eurekalert