“Não nos fiquemos pela cura da COVID-19”

O nosso mundo para quando alguém nos diz que o nosso filho tem cancro.

Naquele momento, a única coisa que queremos é que o médico que nos deu aquela notícia nos diga que existe uma cura. Um medicamento milagroso. Algo que salve o nosso filho daquele aglomerado de células que habita descontroladamente naquele pequeno corpo.

Algo que faça tudo desaparecer.

Mas os médicos não nos podem dizer isso. Nem eles têm a certeza de que tudo vai correr bem.

E, apesar de nós ficarmos parados no tempo, o mundo continua a girar. E gira depressa, porque o tempo urge. De repente, começam-nos a falar de um sem número de tratamentos, como a quimioterapia, a cirurgia, os transplantes de células estaminais, a radioterapia, a imunoterapia… uma lista que parece infindável.

Algures incluída nela estará a “fórmula mágica” que poderá vir a curar o nosso filho.

O mundo vive hoje sob uma longa lista de restrições. Mas isso não é nada de novo para quem vive dentro do mundo da oncologia pediátrica.

Os tratamentos deixam os nossos filhos tão frágeis que uma simples constipação os pode matar. Não podemos socializar com amigos e, se o fizermos, temos de manter uma distância de segurança. Temos que ter cuidado nas lojas, nos parques; temos que nos esquecer que existem creches ou escolas. A qualquer sinal de febre temos que ir ao hospital, uma vez que isso pode ser fatal para os nossos filhos.

E depois… depois é esperar e continuar a esperar que tudo corra bem.

Durante 3 anos, esta foi a minha vida. Eu sou mãe de uma menina diagnosticada com cancro infantil.

Chamava-se Saskia e tinha 22 meses quando os médicos me disseram que ela tinha um neuroblastoma, um cancro infantil raro que tem início nas glândulas suprarrenais e que, rapidamente, se pode metastizar.

A taxa de sobrevivência para este tipo de cancro é de 50%.

Pura sorte. Sorte que a Saskia não teve.

A minha filha morreu há cerca de 3 semanas, após suportar quase 3 anos de tratamentos contínuos.

A Saskia era uma criança alegre, que tinha 4 anos e meio e que não merecia morrer. Nenhuma criança merece.

Esta semana, a Inglaterra introduziu a vacina da COVID-19. Rapidamente, o mundo inteiro irá seguir o seu exemplo. Depois de uma corrida global sem precedentes, foi encontrada uma solução e, com isto, esperamos todos que a COVID-19 desapareça ou, pelo menos, seja domada.

O fim desta aflição e deste sofrimento a nível global acontece apenas 12 meses desde a descoberta da COVID-19.

Agora imagine que bom que era se pudéssemos dizer o mesmo sobre a esta doença devastadora. A doença mais temida pelos pais: o cancro infantil.

“Encontrámos uma cura. Não haverá mais a necessidade de recorrermos a tratamentos tóxicos. Não há mais dor. Não há mais desgosto. Nenhuma criança terá de morrer vítima de cancro!”.

Seria bom, não seria?

Infelizmente, não podemos dizer isso.

Não existe uma cura para muitos dos cancros com que os nossos filhos são diagnosticados. Apesar de décadas de pesquisa, o cancro continua a ser a principal causa de morte por doença em crianças.

Só na Austrália, o país onde eu moro, cerca de três crianças morrem por cancro todas as semanas. Daqui até ao Natal, estima-se que 90 serão diagnosticados com cancro. E nenhuma empresa farmacêutica, nenhum governo está à procura de uma vacina milagrosa.

A baixa incidência do cancro infantil – cerca de apenas 1% de todos os cancros diagnosticados – fornece pouco incentivo financeiro para que as empresas farmacêuticas procurem encontrar novos medicamentos.

Sendo o mercado tão pequeno, cabe principalmente aos governos financiar investigações na área do cancro infantil, através de uma complexa interação com institutos de investigação que se baseiam em financiamento público e privado.

Ao mesmo tempo, os fármacos criados especificamente para tratar cancros infantis são praticamente inexistentes. Em vez disso, são desenvolvidos a partir de tratamentos para cancro em adultos, com estudos clínicos em crianças a receberem “luz verde” apenas quando um medicamento para adultos é aprovado – geralmente 5 a 10 anos após os primeiros testes em humanos.

Como resultado, o cancro infantil é uma doença que permanece cronicamente sub-investigada e subfinanciada.

Então, não nos fiquemos pela cura da COVID-19. Vamos tentar acelerar o progresso, que anda a ritmo de caracol, no tratamento do cancro infantil. Não paremos até encontrarmos um cura. Vamos pressionar os governos em todo o mundo para que esta corrida contra o tempo seja feita.

Tentemos inspirar os investigadores e incentivar as grandes farmacêuticas a financiarem estes projetos. Tentemos remover a burocracia que existe em torno dos ensaios clínicos. Tentemos facilitar a colocação de fármacos especializados no mercado.

A COVID-19 mostrou-nos que tudo isto era possível. Mais, mostrou-nos de que forma é possível fazer isto. Tentemos fazê-lo de novo.

Aprendemos tanto com a COVID-19.

É tarde demais para a minha Saskia, mas ainda não é tarde demais para tantas outras crianças já diagnosticadas e para aquelas que ainda o serão.

Vamos dar a estas crianças, e aos seus pais, o presente extraordinário com que eu tanto sonhei: uma cura.

Texto redigido por Stephanie Dunstan, mãe de uma criança vítima de cancro.

Fonte: The Age

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