Crianças carecas, crianças a rir, crianças a andar de bicicleta no corredor … estas são as imagens que faço questão de reter na minha memória sempre que chego a casa após um dia de trabalho como enfermeira na ala de Oncológica Pediátrica no Hospital Infantil de Seattle, nos Estados Unidos.
São nesses momentos em que me foco nos dias mais sombrios. Naqueles dias que não têm risos, mas sim lágrimas. Lágrimas causadas por picadas de agulha, pela dor causada pela quimioterapia ou pela aflição de uma biópsia de medula óssea.
Dias em que temos de ter conversas difíceis com as famílias. Dias em que a única notícia que temos para dar aos pais, desesperados, é “o seu filho tem cancro”.
A cada três minutos, uma qualquer família, num qualquer lugar do mundo, ouve estas palavras.
Lembro-me de entrar num quarto e ver uma criança a dar seu último suspiro no meio da noite enquanto o seu pai finalmente conseguiu dormir pela primeira vez em dias. Ter que acordar um pai para lhe dizer: “Sinto muito, mas o seu filho morreu” é algo que eu não desejaria a ninguém.
As crianças merecem viver uma vida em pleno, uma vida sem cancro. E os pais merecem ver os seus filhos crescer.
Setembro foi o Mês da Sensibilização para o Cancro Infantil, mas grande parte da população não está ciente dos profundos impactos que esta doença causa. Um mês de sensibilização por ano não é suficiente para angariar dinheiro suficiente que ajude no desenvolvimento de melhores opções de tratamento.
Todos os dias, 43 crianças são diagnosticadas com cancro nos Estados Unidos. O cancro é a principal causa de morte por doença em crianças com idades entre 1 e 14 anos.
Os tratamentos para o cancro infantil são agressivos e têm um impacto enorme no desenvolvimento normal destas crianças. Falo em problemas relacionados com o desenvolvimento cognitivo, cardiovascular, reprodutivo, hepático…
Mais, estes tratamentos resultam em vários efeitos secundários, desde vómitos, a feridas orais, a dores ósseas, passando por infeções, queda de cabelo, mudanças de humor … a lista é interminável.
Todo este sofrimento serve para estas crianças terem uma oportunidade. A oportunidade de sobreviver, de celebrarem mais um aniversário, de poderem ir ao baile de finalistas, de conseguirem passar mais um Natal com a família.
A sobrevivência não é uma garantia, mas o sofrimento com o tratamento é inevitável. Mais de 95% dos sobreviventes de cancro infantil desenvolvem problemas de saúde ao longo da vida devido às atuais opções de tratamento.
Anualmente, o governo norte-americano gasta milhares de milhões de dólares em investigações na área da oncologia.
Infelizmente, apenas 4% desse orçamento é destinado ao cancro. Expliquem-me, como é que a principal causa de morte por doença em crianças apenas recebe 4% do orçamento total?
Aqueles que se opõem ao aumento do financiamento para o cancro pediátrico argumentam que o número de crianças diagnosticadas com cancro é menor do que o número de mulheres diagnosticadas com cancro da mama, por exemplo.
No entanto, o potencial de anos de vida perdidos é maior em pacientes pediátricos porque a idade média de diagnóstico é de 10 anos, em comparação com 61 anos em pacientes com cancro de mama.
Não quero, de todo, descredibilizar o brilhante trabalho que tem sido feito relativamente a esta doença, mas a verdade é que o cancro da mama é a sexta causa mais comum de morte por doença em mulheres, enquanto o cancro infantil é a causa número 1 de morte entre as crianças.
Repito, esta comparação não pretende minimizar a importância do financiamento ao cancro da mama, mas sim enfatizar a importância de aumentar o financiamento para a investigação na área da oncologia pediátrica.
Precisamos de uma maior consciencialização para o cancro infantil, precisamos de exigir mais financiamento para investigações que salvem estas crianças.
Um mês não é suficiente para as 43 crianças diagnosticadas todos os dias com cancro, e 4% por ano não é o valor necessário para desenvolver mais e melhores tratamentos que salvam vidas.
Juntos, podemos fazer a diferença.
Juntos, podemos aumentar a consciencialização.
Juntos, podemos tentar encontrar formas de aumentar o financiamento.
Pense: se hoje o seu filho fosse uma das 43 crianças que vão ser diagnosticadas com cancro, você não gostaria que ele tivesse uma oportunidade de lutar?
Texto redigido por Kristen Benjamin, enfermeira no Hospital Infantil de Seattle
Fonte: Seattle Times