Investigadores começam a focar pesquisas na proteção de sobreviventes de cancro infantil

Um dos maiores progressos da medicina atualmente foi o aumento acentuado nas taxas de sobrevivência de crianças com cancro, mas esse sucesso teve um preço, pois muitas dessas crianças manifestam complicações graves e, por vezes, com risco de vida, anos ou mesmo décadas mais tarde.

Um segundo cancro, distúrbios cardíacos, problemas cognitivos e infertilidade são apenas alguns dos efeitos secundários tardios que podem manifestar-se em crianças que sobrevivem a um cancro na infância.

“Esses tratamentos parecem acelerar o processo de envelhecimento”, disse Greg Aune, pesquisador e oncologista pediátrico que trabalha numa clínica para sobreviventes de cancro infantil no Hospital Universitário de San Antonio, nos Estados Unidos.

À semelhança de um número crescente de cientistas e clínicos, Greg Aune tem vindo a concentrar o seu foco de trabalho nos “efeitos tardios” de tratamentos contra o cancro. Muitos desses pesquisadores trabalham em clínicas projetadas especificamente para monitorizar a saúde de sobreviventes de cancro infantil e alertá-los para potenciais riscos.

Os especialistas que trabalham nesta área consideram que perante o aumento do número de sobreviventes de cancro infantil há claramente uma necessidade urgente de compreender os efeitos dos tratamentos em todo o corpo e não apenas sobre o tumor, para que se possam desenvolver terapias menos tóxicas.

Nos anos 60, menos de metade das crianças com cancro sobreviviam cinco anos após o diagnóstico; mas, atualmente, mais de 80% sobrevivem. Nos Estados Unidos, por exemplo, existem mais de 420 mil sobreviventes de cancro infantil, número que deverá aumentar para 500 mil até 2020.

No entanto, a melhoria das taxas de sobrevivência “teve um custo elevado”, disse Gregory Armstrong, oncologista do Hospital de Pesquisa Pediátrico St. Jude, nos Estados Unidos. Gregory é responsável pelo estudo “Sobrevivência no Cancro Pediátrico” patrocinado pelo Instituto Nacional de Cancro norte-americano, que segue mais de 30 mil sobreviventes de cancro pediátrico.

Na década de 80, os sobreviventes começaram a preocupar-se com novos problemas de saúde, mas a gravidade e a associação com os seus tratamentos só começaram a ser avaliados anos mais tarde. “Esta é uma população que parece muito mais velha do que a sua idade cronológica”, disse Gregory Armstrong.

Como os médicos cedo perceberam que os pacientes podiam viver não apenas por mais cinco anos, mas por cinco décadas ou mais, começaram por reduzir cuidadosamente a quimioterapia e a radiação em pacientes que pareciam menos propensos a sofrer uma recaída.

As terapias menos agressivas reforçaram a sobrevivência a longo prazo. Quase 11% dos sobreviventes a cinco anos diagnosticados com cancro na década de 70 estavam mortos 15 anos após o diagnóstico, número que caiu para menos de 6% entre aqueles tratados na década de 90, de acordo com o pesquisador.

Ainda assim, os pacientes continuam a sofrer de efeitos tardios graves. Aos 50 anos, uma em cada três mulheres que receberam radiação no tórax para tratar um linfoma de Hodgkin desenvolverão cancro da mama, em comparação com menos de uma em cada 20 na população geral.

As crianças são mais vulneráveis a terapias tóxicas porque os seus corpos ainda estão em desenvolvimento e têm muito mais anos de vida ao longo dos quais podem ocorrer complicações. A imunoterapia, uma nova abordagem que usa o sistema imunológico do corpo para combater o cancro, pode causar menos efeitos secundários, mas o seu uso em crianças está ainda muito distante.

Greg Aune tem avançado com experiências no Instituto de Pesquisa de Cancro Pediátrico Greehey, onde supervisiona testes em cobaias sobre os efeitos da quimioterapia, incluindo as antraciclinas, que podem ser tóxicas para o coração. Grande parte da pesquisa sobre efeitos tardios envolve o coração, que é especialmente vulnerável aos tratamentos agressivos na infância.

Além de muitos outros estudos, um novo ensaio clínico em seres humanos pode vir a abrir caminho para o uso generalizado de um novo fármaco designado por Zinecard. Eric Chow, oncologista do Centro de Pesquisa de Cancro Fred Hutchinson em Seattle, lidera um estudo que pretende concluir se o composto previne a deterioração cardíaca a longo prazo.

Juntamente com um grupo de vários pesquisadores, o cientista tem vindo a examinar a função cardíaca de pessoas avaliadas no final da década de 90 e no início de 2000 tratadas apenas com doxorrubicina ou em combinação com o Zinecard, que funciona como um protetor cardíaco.

Uma análise preliminar divulgada no início deste mês mostrou que o grupo administrado com o Zinecard parecia ter uma função cardíaca “mais preservada” muitos anos mais tarde. Uma teoria é que o fármaco interfere com uma proteína que torna o tecido cardíaco mais vulnerável a certos agentes quimioterápicos.

Saro Armenian, oncologista pediátrico da City of Hope, na Califórnia, tem adotado outra abordagem para combater os efeitos cardíacos prejudiciais das antraciclinas, através de um composto para a pressão arterial que previne a insuficiência cardiaca.

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