Uma investigação realizada por cientistas do Brasil, Austrália, Áustria e Estados Unidos descobriu um mecanismo associado a um tipo de cancro cerebral pediátrico raro e atualmente sem opções de tratamento farmacológico e com baixa taxa de sobrevivência. Os resultados do estudo, publicados na revista Neuro-Oncology, abrem caminho para o desenvolvimento de terapias mais específicas e eficazes para este tipo de tumor.
Em causa estão os chamados ependimomas, que “são tumores do sistema nervoso central bastante heterogéneos e sem muitas opções de tratamento além de cirurgia e radioterapia”, explicou Taciani de Almeida Magalhães, primeira autora da investigação.
O estudo teve como foco o chamado ependimoma supratentorial com fusão entre os genes C11orf95 e RELA [ST-RELA, na sigla em inglês], um subgrupo frequente na população pediátrica, agressivo, de mau prognóstico e sem tratamento específico.
Esse tipo de ependimoma ocorre sobretudo em crianças com cerca de oito anos de idade no momento do diagnóstico. A taxa de sobrevivência cinco anos após o tratamento é de aproximadamente 30 por cento, particularmente nos pacientes em que a retirada total do tumor por meio de cirurgia não é possível.
Atualmente, não há medicamentos específicos para tratar este tipo de tumor e, portanto, a única opção terapêutica disponível além da cirurgia é a radioterapia, que pode causar sérias sequelas cognitivas e motoras nas crianças.
Durante esta nova investigação, os cientistas descobriram, com recurso a diferentes técnicas, que, nesse tumor, a chamada via de sinalização celular Hedgehog (Hh) está bastante ativada. Por isso, em laboratório, trataram tumores com o Sonidegib, um fármaco que inibe a via Hh e que, atualmente, está a ser avaliado em testes clínicos para tratar outros tipos de cancro que afetam o sistema nervoso central.
Contudo, posteriormente, ao analisar tumores tratados com este medicamento, os investigadores observaram que estes perderam determinadas estruturas conhecidas como cílios primários e, em decorrência disso, tornaram-se resistentes ao fármaco. Era preciso evitar esse efeito.
Os cientistas verificaram também que a formação dos cílios era regulada por uma proteína específica, a AURKA, para a qual já existe igualmente um inibidor específico testado clinicamente, o medicamento Alisertib.
Os investigadores passaram então a tratar, in vitro, os tumores com uma combinação do Alisertib e Sonidegib. Os resultados mostraram que os cílios primários não desapareceram e o Sonidegib pôde atuar, promovendo a morte das células tumorais com sucesso, sem afetar as saudáveis.
Em testes realizados em laboratório, ratinhos que desenvolveram esse tumor no cérebro foram tratados com os dois medicamentos. Contudo, os animais não registaram nenhum aumento na taxa de sobrevida, em comparação com os ratinhos controlo, que não receberam terapia. Os cientistas acreditam que a chamada barreira hematoencefálica poderá ter impedido o tratamento de atuar sobre o tumor.
“Outros estudos já realizados mostraram que inibidores da proteína AURKA não chegam até o cérebro. É uma possível explicação para o facto de o nosso tratamento não ter funcionado em animais”, explicou Taciani de Almeida Magalhães.
Os investigadores procuram agora outros fármacos com a mesma ação que consigam ultrapassar a barreira hematoencefálica para tentar descobrir um tratamento inédito e eficaz para esses tumores.
“Mesmo a combinação não tendo alcançado o sucesso esperado no modelo animal, agora conhecemos os mecanismos moleculares do tumor e, portanto, temos um caminho a seguir que até então não era conhecido”, destacou a investigadora.
“A descoberta abre perspetiva para a realização de estudos clínicos utilizando gerações mais modernas de medicamentos inibidores da via Hh e da proteína AURKA, com melhor atuação no sistema nervoso central”, disse, por sua vez, o professor Elvis Terci Valera.
“Outra estratégia seria administrar esses medicamentos diretamente no líquido cefalorraquidiano. Opções como essa poderiam ser avaliadas a fim de reverter a resistência ao tratamento”, concluiu Valera.
Fonte: UOL