Os resultados de um ensaio clínico com trinta pacientes com menos de 1 ano de idade parecem confirmar que adicionar um anticorpo bio específico ao tratamento quimioterápico aumenta as taxas de sobrevida de um subtipo de cancro no sangue de 66% para 93%.
O cancro infantil é considerado uma doença muito rara: apenas 155 novos casos por ano para cada milhão de crianças com menos de 14 anos. Infelizmente, e apesar de todos os progressos já feitos, alguns tipos de tumores e de cancro ainda são impossíveis de curar.
A leucemia linfoblástica aguda, por exemplo, é o cancro pediátrico mais frequentemente diagnosticado e, embora 85% dos pacientes superem a doença, a situação é mais delicada em alguns subgrupos, principalmente em bebés com alterações genéticas.
Agora, um novo estudo científico publicado no New England Journal of Medicine, observou esses tumores e mostrou resultados promissores no que diz respeito a melhorar a sobrevida de bebés que sofrem de leucemia linfoblástica aguda rearranjada pelo gene KMT2A, um subtipo muito agressivo de cancro do sangue – ao adicionar imunoterapia ao tratamento quimioterápico mais comum, as taxas de sobrevida global em dois anos aumentaram de 66% para 93%.
“Este é um primeiro passo na direção certa”, disseram os investigadores do SJD Pediatric Cancer Center Barcelona, em Espanha.
“Ainda assim, é importante ter cautela. Apesar dos resultados serem promissores, precisamos ainda de mais tempo de acompanhamento para verdadeiramente podermos ter uma confirmação sólida”, afirmou Susana Rives, uma hematologista que não esteve envolvida no estudo.
Os dados publicados correspondem a um ensaio clínico de fase II realizado com trinta pacientes, todos bebés com menos de 1 ano de idade, e com acompanhamento de alguns anos. No entanto, embora as descobertas careçam de consolidação, os primeiros resultados foram tão animadores que os autores esperam poder incorporar essa nova estratégia terapêutica como tratamento de primeira linha nesses pacientes.
Em números absolutos, os bebés com este subtipo de leucemia linfoblástica aguda (LLA) são poucos. Se os tumores em crianças já são pouco frequentes, a verdade é que são ainda mais raros em bebés com menos de 1 ano.
A alteração genética, porém, é mais frequente em bebés com leucemia linfoblástica aguda do que em crianças maiores: “80% das crianças menores de 1 ano com leucemia linfoblástica aguda têm esse rearranjo genético [do gene KMT2A], que anda de mãos dadas com o mau prognóstico. Não encontramos terapias mais eficazes”, lamentou Pablo Velasco, pediatra do Hospital Vall d’Hebron, em Barcelona, que também não participou da investigação, mas que afirma que os resultados parecem ser “espetaculares”.
O protocolo terapêutico atual para o tratamento da leucemia linfoblástica aguda com rearranjo KMT2A em pacientes com menos de 1 ano inclui 2 anos de quimioterapia intensiva e, em alguns casos, transplante de medula óssea. No entanto, os resultados globais não são muito favoráveis: a taxa de sobrevida livre de complicações em três anos é inferior a 40%, apontam os autores no artigo.
“É uma doença muito agressiva, mais resistente à quimioterapia padrão. A quimioterapia intensiva funciona muito bem para metade dos bebés. Mas na outra metade, a doença volta num espaço de 2 anos. Nestes casos, infelizmente, muitas crianças morrem ou são fustigadas pelos efeitos secundários”, explica Inge van der Sluis, oncologista pediátrica e farmacologista clínica do Princess Máxima Center for Pediatric Oncology, nos Países Baixos, e principal autora do estudo.
Embora a abordagem terapêutica em adultos e crianças maiores tenha melhorado nas últimas décadas, o mesmo não se pode dizer quando falamos em bebés. A natureza altamente agressiva da leucemia linfoblástica aguda rearranjada para KMT2A torna as recidivas muito frequentes, o que piora o prognóstico piora – “até agora”, explica Inge van der Sluis, “a taxa de sobrevida após a recidiva era de apenas 20%”.
Diante desse cenário sombrio, os autores do estudo decidiram tentar a imunoterapia, que consiste em ativar o próprio sistema imunitário do corpo com fármacos para que ele elimine as células malignas.
Os cientistas escolheram a imunoterapia porque a intensificação da quimioterapia não estava a funcionar e a intensificação posterior era impossível devido à sua toxicidade. O fármaco utilizado foi o blinatumomabe, que já havia sido estudado em adultos e crianças maiores com leucemia linfoblástica aguda, mas ainda não estava claro se era bem tolerado e eficaz em bebés.
O blinatumomabe é um anticorpo bio específico que funciona como uma espécie de adaptador: “por um lado, liga-se à célula tumoral e por outro aos linfócitos T, encarregados de destruir as células malignas. Em seguida, o fármaco é introduzido, para que o linfócito reconheça, ataque e destrua essas células leucémicas”.
Os cientistas, que acrescentaram a imunoterapia ao tratamento comum, observaram os pacientes durante 2 anos e compararam a sua evolução com dados de estudos anteriores que trataram as crianças apenas com quimioterapia.
“Descobrimos que a adicionar o blinatumomabe à quimioterapia padrão levou a uma melhora significativa na sobrevida de bebés com leucemia linfoblástica aguda com rearranjo KMT2A – a probabilidade de sobrevivência aumentou de 66% para 93%. Por outro lado, a probabilidade de recidiva ou a taxa de mortalidade diminuíram acentuadamente. Ou seja, com este tratamento, estes bebés vivem mais e com melhor qualidade de vida”.
Os efeitos nocivos de curto prazo desta nova abordagem terapêutica também são “controláveis”, segundo os especialistas, que reconhecem duas grandes vantagens deste estudo: “melhora os resultados e evita recidivas precoces”.
“Mais, a toxicidade que estas crianças apresentaram é menor do que com os bloqueios quimioterápicos intensivos, que é o que recebem agora. A curto prazo, não é tóxico. Veremos o que acontece a longo prazo”, aponta.
A investigadora holandesa explica que “o seguimento foi relativamente curto [cerca de 26 meses], mas o suficiente para cobrir o período em que seriam de esperar mais recidivas”. No entanto, Inge van der Sluis afirma que, no futuro, os cientistas pretendem ser capazes de dar um “acompanhamento mais longo”.
Todos os especialistas consultados concordam que serão necessários mais tempo e estudos para consolidar os dados. As limitações do próprio estudo refletem o curto tempo de seguimento e o fato de não ser um estudo randomizado; ainda assim, os autores esperam que esses resultados sejam suficientes para mudar o tratamento padrão.
“Como resultado do nosso estudo, no futuro, todos os bebês com leucemia linfoblástica aguda LLA com rearranjo KMT2A poderão receber imunoterapia como parte do tratamento padrão”.
Para já, pacientes só podem receber este tratamento dentro dos protocolos do estudo para obter acesso ao blinatumomabe. Um estudo maior com 160 pacientes de 27 países já está em fase de planeamento.
Os especialistas reconhecem que este é um estudo com poucos pacientes que foram observados por um curto período de tempo; sendo uma doença tão rara, explicam, “é difícil aumentar o número de participantes”.
“De qualquer forma, os resultados são muito promissores e abrem as portas para um futuro interessante”.
Por enquanto, os cientistas sabem que apenas futuros testes ajudarão a responder às perguntas que permanecem no ar – “sabemos que as recidivas ocorrem principalmente no início. Mas, irá a imunoterapia mudar o perfil de recidiva? Ainda não sabemos”.
Fonte: El País