A imunoterapia está a revelar-se promissora também no tratamento de tumores sólidos pediátricos. Um dos casos clínicos que demonstram isso mesmo é o da jovem norte-americana Emily Hood, a primeira paciente com um tumor cerebral raro no mundo a receber terapia com células CAR-T administrada diretamente no cérebro. Os investigadores querem realizar mais estudos focados nas crianças e jovens com cancro para avançar ainda mais nas descobertas nesta área.
Aos 17 anos, Emily Hood foi diagnosticada com um tumor extremamente raro e inoperável que se encontrava localizado no interior do seu cérebro. Um ano e meio depois do diagnóstico, Emily Hood ainda estava viva, o que contrariou todas as expetativas e prognósticos, visto que pacientes com o tipo de cancro cerebral desta paciente, denominado por glioma pontino intrínseco difuso (DIPG, na sigla em inglês), geralmente sobrevivem por apenas 8 a 11 meses após o diagnóstico.
Aos 18 anos, Emily Hood, numa última tentativa de combater de forma eficaz o tumor, decidiu, de forma voluntária, receber uma terapia celular experimental que recorre ao seu próprio sistema imunológico para tratar a doença.
Desta forma, cientistas do Hospital Infantil de Seattle, em Washington, nos Estados Unidos, recolheram células imunológicas chamadas células T do sangue de Emily e “fortaleceram” essas células com uma proteína de superfície conhecida como recetor de antigénio quimérico (CAR). Essa proteína liga-se a um alvo específico nas células cancerígenas, criando células T de combate ao tumor que podem atacar e matar o tecido cancerígeno.
Em outubro de 2020, os médicos injetaram na paciente as células geneticamente modificadas por meio de um pequeno dispositivo implantado sob o couro cabeludo de Emily. Ela tornou-se assim, na primeira paciente com DIPG no mundo a receber terapia com células CAR-T administrada diretamente no cérebro.
As células CAR-T revolucionaram o tratamento de alguns tipos de cancro sanguíneo, incluindo uma forma de leucemia pediátrica que representa cerca de um quarto de todas as doenças malignas da infância. Mas a imunoterapia celular não se tinha revelado, até ao momento, eficaz contra tumores sólidos, como, por exemplo, o tumor cerebral diagnosticado em Emily. E, embora haja uma imensa necessidade clínica de estender as terapias de células CAR-T a todos os domínios da oncologia de tumores sólidos, independentemente da idade do doente, os médicos que tratam cancros infantis em órgãos como o cérebro, ossos e músculos dizem que a necessidade é particularmente maior quando em causa estão doentes com idade inferior a 18 anos.
“Na oncologia pediátrica, não há muita alternativa”, refere Claudia Rössig, imunoterapeuta celular do Hospital Universitário Münster, na Alemanha. Para cancros em adultos, existem agentes direcionados e fármacos imunomoduladores que podem prolongar a vida das pessoas, muitas vezes por muitos anos. Mas, para as crianças, esses tipos de terapias de ponta falharam em grande parte, explica a especialista.
“Na área da oncologia pediátrica, não basta ganhar tempo. Temos de curar [o cancro]”, afirma Rössig, acrescentando que, “como as células T têm essa propriedade endógena de persistir, memorizar e controlar a doença por muito tempo, elas têm a capacidade de ser curativas”.
A eficácia da imunoterapia com células CAR-T contra a leucemia pediátrica já foi demonstrada. Os tumores sólidos podem ser os próximos, consideram os médicos e investigadores.
O tratamento com células CAR-T administrado em Emily deu-lhe mais tempo de vida, mas não foi a panaceia que ela esperava. Emily acabou por falecer, pouco depois do seu 20.º aniversário. Mas o facto de as células CAR-T se terem mostrado toleráveis pelo seu organismo, com indícios de atividade anticancerígena, significa que o esforço não foi em vão.
Os investigadores e médicos acreditam que este passo foi fundamental para direcionar e aplicar de forma mais eficaz a imunoterapia com células CAR-T também contra tumores sólidos em doentes em idade pediátrica.
Atualmente, “existem vários pacientes – um número considerável – que estão já a obter benefícios” com esta terapia em tumores sólidos, destaca Crystal Mackall, investigador em imunoterapia contra o cancro na Escola de Medicina da Universidade de Stanford, na Califórnia, nos Estados Unidos. Juntamente com os seus colegas, Mackall tratou já cerca de uma dúzia de crianças com DIPG com células CAR-T diferenciadas. Os investigadores até observaram uma eliminação quase completa do cancro cerebral num dos adolescentes tratados.
Isto revela o potencial do tratamento, aponta, por sua vez, Nicholas Vitanza, neuro-oncologista do Hospital Infantil de Seattle que tratou Emily. “É o que nos leva a melhorar a próxima geração de células CAR-T”, afirma.
As melhorias surgem de várias vertentes e áreas e no tratamento de diferentes tipos de tumores sólidos pediátricos. Os cientistas estão a descobrir novos alvos que podem levar ao desenvolvimento de terapias mais seguras e eficazes contra tumores sólidos. Circuitos genéticos adicionais estão a ser usados para ajudar as células CART-T a persistirem por mais tempo e permanecerem ativas no organismo. Os investigadores também estão a encontrar formas de reverter a capacidade dos tumores de suprimir as respostas imunológicas dos pacientes.
Assim, as novas descobertas realizadas abrem portas ao uso da imunoterapia com células CAR-T também em tumores sólidos em adultos e crianças. Mas a biologia dos tumores pediátricos, que decorrem principalmente de irregularidades nos estágios iniciais do desenvolvimento celular, é diferente da dos cancros que ocorrem nos adultos, que surgem tipicamente ao longo da vida devido a mutações adquiridas.
Devido a esses mecanismos distintos da doença, os investigadores reforçam que, apesar dos avanços já obtidos, é necessário e imperioso continuar a haver um esforço de descoberta e investigação dedicado para adaptar o “design” das células CAR-T ao tratamento dos vários tipos de cancros infantis.
Fonte: Nature