O desenvolvimento de terapias com células T do recetor de antigénio quimérico (CAR) tem sido um avanço significativo na luta contra a leucemia pediátrica. Os tratamentos baseados em células CAR-T provaram ser altamente bem-sucedidos em alcançar a remissão completa em pacientes pediátricos com leucemia linfoblástica aguda (LLA) refratária.
A aprovação do tisagenlecleucel, o primeiro produto de células CAR-T específicas para CD19, como terapia de resgate para LLA-B refratária e anteriormente incurável em crianças e adultos jovens, marcou um marco importante no campo da oncologia pediátrica.
Num artigo publicado no Journal of Clinical Oncology, Claudia Rossig, médica do Departamento de Hematologia e Oncologia Pediátrica do University Children’s Hospital Müenster, em Müenster, na Alemanha, e coautores fizeram uma revisão/avaliação sobre os desafios e oportunidades no desenvolvimento de terapias com células CAR-T para cancros pediátricos. Eles também discutiram caminhos alternativos de desenvolvimento para produtos de células CAR-T.
Os autores da publicação representam a Sociedade Europeia de Oncologia Pediátrica (SIOPE), o Grupo de Estudos Internacional Berlim, Frankfurt e Müenster (I-BFM) e o consórcio Terapias Inovadoras para Crianças com Cancro (ITCC).
Desafios de desenvolvimento
Em ambientes académicos, a avaliação prospetiva da terapia CAR-T para cancros pediátricos é limitada pela disponibilidade de produtos de células CAR-T. Além disso, obstáculos financeiros e regulatórios limitam novas investigações.
Atualmente, o setor comercial tem pouco incentivo para desenvolver estes produtos para cancros pediátricos devido ao baixo potencial de retorno do investimento. Por conseguinte, permanece incerto se as vias de desenvolvimento padrão concederão acesso a produtos eficazes.
Como resultado, especialistas de vários grupos de estudo de oncologia pediátrica apelam a mudanças na esperança de abordar necessidades não satisfeitas e desenvolver ainda mais esta área.
Modelos alternativos de desenvolvimento
A Agência Europeia de Medicamentos (EMA) é pioneira numa abordagem alternativa ao desenvolvimento, facilitando o licenciamento de células CAR-T e outros medicamentos de terapia avançada (ATMPs) por investigadores académicos. A comunidade académica tem desempenhado um papel crucial na promoção da inovação nesta área. O primeiro produto académico de células CAR-T dirigido por CD19 – ARI0001 – foi elegível para este esquema da EMA.
“Para permitir o desenvolvimento clínico de uma maior variedade de produtos celulares para indicações raras, em adultos e crianças, com pouco ou nenhum interesse comercial, é necessária uma abordagem regulamentar inovadora”, escreveram os autores do estudo.
Outros propuseram um modelo híbrido, onde um produto é fabricado por instituições académicas, tanto para tratamento interno como para distribuição a outros locais. Os processos de fabrico exigiriam a adesão estrita a procedimentos harmonizados e controlo de qualidade, conforme especificado pelos certificados de fabrico locais.
Embora os desafios em matéria de infraestruturas permaneçam, os investigadores estão a criar redes de centros académicos de produção, que poderão superar problemas de tráfico transfronteiriço de produtos celulares e reduzir as disparidades entre as necessidades e a disponibilidade.
Por exemplo, um número crescente de centros académicos na Europa está a equipar-se com as infraestruturas e conhecimentos necessários para fabricar ATMPs. Além disso, foram apresentadas propostas para atualizar a legislação da União Europeia para reconhecer a importância da descentralização na produção e para simplificar a supervisão utilizando abordagens flexíveis e adaptadas ao risco.
Estratégias de reembolso
À medida que o progresso continua, os especialistas sublinham a importância de estratégias de reembolso novas e inovadoras para garantir que os pacientes possam ter acesso aos produtos. Tal como os investigadores observaram no seu artigo, mesmo que o meio académico assuma com sucesso as capacidades anteriormente detidas pela indústria, será necessário garantir novas fontes de financiamento.
De acordo com Claudia Rossig e colegas, uma estratégia potencial poderia ser limitar o licenciamento farmacêutico ao vetor designado ou à construção CAR, em oposição ao produto individualizado de células individuais do paciente modificado por genes. Atualmente, os altos custos dos produtos de células CAR-T tornam-nos inacessíveis para muitos pacientes.
Olhando para o futuro, os autores aspiram abrir um diálogo entre a indústria, os reguladores, o meio académico e os defensores dos pacientes para estabelecer a estratégia mais eficaz para reduzir custos e alargar o acesso.
“Novas soluções irão satisfazer as necessidades críticas de crianças e também de pacientes adultos, quer com doenças raras ou mesmo com cancros comuns”, concluíram os investigadores.
Fonte: Hematology Advisor