O Dr. Peter J Houghton, do Greehey Children’s Cancer Research Institute, nos Estados Unidos, escreveu, num artigo recente, sobre os principais obstáculos e alternativas que existem atualmente no desenvolvimento de novos tratamentos para o cancro infantil e novas abordagens em testes pré-clínicos de medicamentos.
A diversidade dos cancros pediátricos
Segundo refere o especialista, nas últimas duas décadas, estudos genéticos revelaram a complexidade dos cancros infantis que antes eram considerados tumores homogéneos. Por exemplo, o meduloblastoma, um tumor do rombencéfalo, pode agora ser estratificado em quatro tipos genéticos distintos com alvos moleculares potencialmente diferentes. O ependimoma, outro tumor cerebral, pode ter oito subtipos moleculares.
Da mesma forma, os tumores sólidos não cerebrais podem ser subagrupados de acordo com alterações genómicas (mutações ou fusões génicas) ou perfis de expressão génica. Com base em estudos genómicos, as leucemias, que compreendem aproximadamente metade dos cancros infantis, podem ser classificadas em 17 grupos. Esta diversidade molecular representa enormes desafios para o desenvolvimento de novos medicamentos ou produtos biológicos direcionados molecularmente.
Nos Estados Unidos, aproximadamente 200 casos de meduloblastoma são diagnosticados anualmente; assim, o número de pacientes elegíveis para receber um medicamento específico, assumindo uma distribuição igual de subtipos moleculares, é cada vez menor.
De uma perspetiva pré-clínica, o desenvolvimento de terapias direcionadas para múltiplos subtipos moleculares também apresenta desafios. Sabemos, através de estudos clínicos em adultos, que o direcionamento de um fator molecular, como o BRAF mutante no melanoma e no carcinoma do cólon, pode ter resultados muito diferentes.
Para o melanoma causado pelo BRAF, as taxas de resposta aos inibidores BRAF ou MEK são altas e esses agentes melhoraram radicalmente os resultados. Em contraste, os mesmos medicamentos no contexto do cancro do cólon tiveram um efeito muito modesto. Assim, apesar de um fator molecular comum, o contexto parece crítico na determinação do resultado.
Consequentemente, o facto de um medicamento com alvo molecular ser eficaz contra um cancro em adulto não significa necessariamente que possa ter atividade contra um cancro infantil com o mesmo defeito molecular.
Teste de medicamentos e produtos biológicos com alvo molecular
Como, num nível pré-clínico de desenvolvimento, podem ser avaliados medicamentos ou produtos biológicos com alvos moleculares específicos, conforme exigido pela lei que regula esta área nos Estados Unidos, a Lei RACE? Potencialmente, seria possível modificar geneticamente a alteração molecular no tecido de um ratinho modelo. No entanto, esse procedimento é caro e demorado, portanto, não capta o interesse das empresas farmacêuticas. Uma alternativa é desenvolver xenoenxertos derivados de pacientes (PDXs), onde o tecido tumoral é transferido diretamente para um ratinho imunodeficiente. Estabelecer modelos PDX também é muito caro e demorado, mas tem sido o foco de grupos académicos nos Estados Unidos e na Europa.
Existem provavelmente mais de 1 000 modelos de cancros pediátricos estabelecidos em ratinhos e a maioria tem caracterização genómica, fornecendo, assim, um recurso para testar medicamentos ou produtos biológicos direcionados molecularmente. Porém, é importante estar ciente de que pode haver evolução clonal ou seleção clonal durante o processo de enxerto em ratinhos. Consequentemente, a comparação direta entre a resposta medicamentosa para um PDX pode não ser a mesma que no paciente dador do xenoenxerto.
Portanto, o valor dos “ensaios co-clínicos”, onde a resposta do PDX a diferentes medicamentos é usada para prever ou mesmo direcionar a terapia subsequente no paciente dador, deve ser visto com cautela.
Em muitos casos, o conhecimento da via genética prevê o sucesso de medicamentos que têm como alvo o “elemento” oncogénico ou as vias de sinalização a jusante ativadas pela mutação do condutor. Bons exemplos são os inibidores de MEK em crianças com glioma de baixo grau com mutação BRAF.
No entanto, a resposta em pacientes com astrocitoma anaplásico difuso de alto grau, ou glioblastoma, pode ser transitória ou nenhuma resposta, apesar da mesma haver a mesma alteração genética subjacente. Assim, com o conhecimento da diversidade genómica de um tipo de cancro (mesmo aqueles com a mesma mutação condutora), a complexidade de estimar o valor de um novo medicamento aumenta e leva-nos a reconsiderar a forma como os testes pré-clínicos são concebidos.
Tradicionalmente, grupos relativamente grandes de ratinhos portadores de PDX (8-10 por grupo) têm sido usados para avaliar o crescimento de tumores tratados com medicamentos em comparação com tumores em ratinhos não tratados. Embora este desenho permita a significância estatística de um efeito do fármaco, limita o número de modelos PDX que podem ser avaliados.
Além disso, a significância estatística não significa atividade antitumoral biologicamente significativa. Por exemplo, o medicamento pode retardar o crescimento do tumor em 10-20% para mostrar atividade “estatisticamente significativa” a um nível P=0,05, enquanto que, para ser considerado ativo num ensaio clínico de cancro pediátrico, a redução (regressão) do tumor tem de ser observada. Para uma avaliação precisa dos dados pré-clínicos, é necessário um alinhamento mais próximo dos efeitos finais da atividade antitumoral.
Uma abordagem alternativa para testes pré-clínicos: o desenho experimental de “ratinho único”
Uma abordagem alternativa foi desenvolvida inicialmente na Novartis, onde trinta modelos de xenoenxerto de melanoma foram usados para simular um “ensaio clínico”, usando apenas um ratinho por linhagem tumoral como controlo (não tratado) e um rantinho que recebeu tratamento. Além disso, uma análise retrospectiva de mais de 2 000 estudos sobre fármacos contra tumores em crianças realizados pelo Programa de Testes Pré-clínicos Pediátricos, que utilizou oito a dez ratinhos por grupo de terapia, mostrou que um único ratinho por tratamento poderia prever com precisão a resposta média do grupo em aproximadamente 80%. Adicionalmente, foi possível prever com precisão a taxa de resposta objetiva para os 83 modelos de xenoenxerto para 66 dos 67 medicamentos testados.
A importância destes estudos é que este desenho experimental de ‘ratinho único’ permite avaliar a eficácia de um medicamento contra um grande número de modelos com características moleculares ou drivers genéticos semelhantes e oferece uma oportunidade para determinar mecanismos que podem conferir resistência ao agente e, portanto, identificar potenciais biomarcadores de resposta tumoral. Os testes com um único ratinho estão agora a ser introduzidos nas principais abordagens de testes pré-clínicos pediátricos nos Estados Unidos e na Europa.
Fonte: Open Access Government