O crescente número de peditórios e pedidos de ajuda para financiamento de tratamentos oncológicos na Alemanha que, para muitos, são encarados como uma última esperança, tem motivado alguma cautela por parte da Direção-Geral da Saúde (DGS).
Até à data, a entidade recebeu três pedidos para comparticipação de tratamentos oncológicos experimentais com vacinas de células dendríticas, dois para clínicas privadas na Alemanha e um para um hospital universitário na Bélgica, mas optou por recusar dois destes, defendendo que “a informação que tem sido disponibilizada aos cidadãos por alguns órgãos de comunicação social tem alimentado esperanças, não baseadas em provas científicas, e atinge uma população particularmente vulnerável”.
O alerta surge numa orientação assinada pelo diretor-geral da Saúde, Francisco George. Dos três pedidos submetidos à DGS, apenas um recebeu luz verde da entidade. Tratou-se de um financiamento de cerca de 16 000 euros para os tratamentos de uma criança que sofria com um tumor cerebral e que era acompanhada no Hospital de S. João, no Porto. O financiamento para os seus tratamentos foi realizado ao abrigo de um protocolo de investigação com um hospital universitário para vacinas de células dendríticas, na Bélgica.
Nuno Miranda, coordenador do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas, justifica a aprovação dada apenas a este caso, em detrimento dos restantes, reiterando que este tinha como finalidade a integração da criança num estudo em curso num hospital universitário em Lovaina, na Bélgica.
O responsável explica que, no caso desta criança, “o dinheiro reverte para um fundo de investigação, não há interesses comerciais associados. E o tratamento não é exatamente igual. No hospital universitário belga, só fazem vacinas quando têm acesso ao tumor do doente, enquanto nas clínicas da Alemanha isso é variável”.
O tema é delicado e aqui as opiniões dividem-se. Por um lado, os pais e familiares de alguém com um tumor maligno numa fase avançada, que veem nestas terapias uma possibilidade de cura; por outro, a DGS e muitos médicos oncologistas portugueses, alguns contactados pelo jornal Público, que não recomendam a técnica aos seus doentes porque, “apesar de, em teoria, esta ser muito promissora, ainda não apresenta suficiente evidência científica”, motivo pelo qual defendem a necessidade de aguardar por resultados de ensaios clínicos concretos, que já estão em curso em vários países, para perceber a sua eficácia e quais os seus efeitos secundários.
A questão tem sido amplamente divulgada, nomeadamente através dos meios de comunicação social, em reportagens, e com o aumento do número de peditórios, leilões e espetáculos promovidos a favor de causas semelhantes para ajudar doentes a suportar os encargos.
Os tratamentos com vacinas de células dendríticas custam, no mínimo, cerca de 28 000 euros. Fátima Cardoso, diretora da Unidade de Cancro de Mama na Fundação Champalimaud, em Lisboa, que há 15 anos se dedicou à investigação em células dendríticas na Bélgica, defende que a técnica “ainda não nos deu os resultados que a teoria nos levaria a pensar que poderíamos obter” e sublinha que os resultados observados até à data mostram uma redução muito significativa dos glóbulos brancos nos pacientes, “de tal maneira que se tornou complicado administrar-lhes quimioterapia”, o que a levou, nos últimos anos, a desaconselhar a técnica aos seus doentes.
Caetano Reis e Sousa, investigador português que dirige o laboratório de imunobiologia do Instituto do Cancro do Reino Unido, em Londres, admite que “existe a possibilidade de que o tratamento com células dendríticas venha a dar resultados”, mas ressalva que, por enquanto, todos os tratamentos estão ainda numa fase experimental.
O primeiro caso amplamente divulgado sobre a procura por clínicas na Alemanha foi conhecido em 2011, numa Grande Reportagem SIC/Visão que retratou a história de Safira, uma menina cujos pais recusaram os tratamentos de quimioterapia no IPO de Lisboa, depois de sujeita a uma cirurgia para remoção de um tumor renal. Os tratamentos foram um sucesso para Safira, hoje com 7 anos, e os pais criaram o Projeto Safira, com o intuito de “ajudar” outros doentes.
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