Cientistas do Hospital de Pesquisa Infantil St. Jude, nos Estados Unidos, identificaram mecanismos genéticos e epigenéticos que impulsionam a predisposição para o tumor de Wilms bilateral, impactando os cuidados e o tratamento.
Crianças com tumor de Wilms bilateral têm um tumor em cada um dos rins – uma condição que sugere fortemente uma predisposição genética ou epigenética subjacente que impulsiona a doença. Investigadores daquele hospital norte-americano reuniram uma grande coorte de amostras de tumores de Wilms bilaterais e realizaram análises para avaliar quais fatores contribuem para a predisposição para o desenvolvimento deste tipo de tumor de forma abrangente.
O trabalho tem implicações para aconselhar as famílias dos pacientes, orientar as decisões de tratamento e informar o desenho de futuros ensaios clínicos. O estudo foi publicado na revista Nature Communications.
Ter tumores em ambos os órgãos torna o tratamento do tumor de Wilms bilateral mais complicado. Quando o tumor de Wilms ocorre em apenas um rim, os cirurgiões podem remover todo o órgão. Mas, no caso do tumor de Wilms bilateral, a remoção de ambos os rins eliminaria a função renal. Em vez disso, os pacientes primeiro precisam de quimioterapia para reduzir os tumores tanto quanto possível, seguida de cirurgia preservadora de órgãos para remover os tumores sem remover todo o rim.
Os investigadores reuniram uma coorte de amostras de tumores de Wilms bilaterais de pacientes tratados no St. Jude, bem como no estudo AREN18B5-Q do Children’s Oncology Group. Esta coorte, a maior conhecida para tumor de Wilms bilateral, permitiu aos cientistas realizar análises completas do exoma, do genoma completo, do sequenciamento de RNA e da metilação do ADN para desvendar os fatores envolvidos na predisposição para este tipo de tumor.
Fatores genéticos e epigenéticos impulsionam a predisposição ao tumor de Wilms
Através dessas análises, os cientistas determinaram os eventos genómicos predominantes que predispõem os pacientes ao tumor de Wilms bilateral. Estes incluem variantes da linha germinativa pré-zigótica (herdadas) detetáveis em amostras de sangue, como WT1, NYNRIN, TRIM28 e genes relacionados ao BRCA.
Os autores do estudo também identificaram um mecanismo epigenético que causa predisposição. Eles descobriram que a hipermetilação pós-zigótica (formada no embrião inicial) em 11p15.5 H19/ICR1 predispõe os pacientes ao tumor de Wilms bilateral. A metilação do ADN é um processo biológico fundamental no qual grupos metil são adicionados aos resíduos de citosina do ADN. O processo orienta as instruções sobre como a expressão genética é regulada. Neste caso, a hipermetilação anormal na cópia do cromossoma 11p15.5 herdada da mãe leva a aumentos na expressão génica. No tumor de Wilms bilateral, este fenómeno (também chamado de perda de imprinting em 11p15.5) leva ao aumento da expressão de IGF2 – um dos principais genes anteriormente implicados na predisposição.
Os investigadores também encontraram evidências de hipermetilação em 11p15.5 no sangue de pacientes com tumor de Wilms bilateral, não apenas no tumor ou no rim não doente. Esta assinatura de hipermetilação foi encontrada em níveis mais elevados do que no tumor de Wilms unilateral ou em indivíduos saudáveis.
“Ao perceber que um par de tumores bilaterais do mesmo paciente quase não partilhava mutações somáticas, suspeitámos que havia várias formas pelas quais os genomas predispunham os pacientes a desenvolver tumores bilaterais de Wilms, mas é essencial impulsionar a investigação para determinar holisticamente a sua frequência e interação numa grande coorte”, disse o coautor do estudo Xiang Chen.
“Precisávamos de estudar a linha germinativa e os fatores pós-zigóticos integrando análises, e agora caracterizámos completamente o cenário de eventos predisponentes”, destacou o cientista.
Um “mosaico” de fatores predisponentes
O tumor de Wilms é o cancro renal mais comum na infância, mas apenas 5-7% de todos os pacientes com tumor de Wilms são diagnosticados com tumor de Wilms bilateral. Pacientes com tumor de Wilms bilateral são diagnosticados mais jovens e geralmente apresentam lesões precursoras chamadas restos nefrogénicos (aglomerados de células renais embrionárias indiferenciadas).
Durante décadas, os investigadores suspeitaram que o tumor de Wilms bilateral provavelmente ocorria devido a uma convergência de efeitos genómicos pré e pós-zigóticos: dois (ou mais) acertos genéticos que juntos formam uma variedade de efeitos que impulsionam a predisposição. O trabalho da equipe do St. Jude fornece suporte para o conceito de mosaico, onde essas anormalidades genéticas ou epigenéticas predisponentes são encontradas em algumas, mas não em todas, células do corpo. Com base neste novo entendimento, os investigadores já estão a explorar formas de incorporar estas descobertas no desenho do próximo ensaio clínico de grupo cooperativo para o tumor de Wilms.
“Esperamos que, uma vez estabelecidos estes dados, estes resultados se tornem biomarcadores prospetivos para resposta ao tratamento ou prognóstico e possam ser incluídos na próxima geração de ensaios clínicos”, concluiu Andrew Murphy, coautor do estudo.
Fonte: St. Jude Children’s Research Hospital