O St. Jude Children's Research Hospital e a Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, identificaram mutações que causam um raro distúrbio da medula óssea e descobriram que a condição às vezes se resolve sem tratamento.
Os investigadores ajudaram a resolver um mistério de décadas sobre o qual as mutações são responsáveis por um distúrbio hereditário da medula óssea. A resposta pode permitir que algumas crianças evitem o risco de serem sujeitos a um transplante de medula óssea, um tratamento comum para leucemia e distúrbios da medula óssea.
Publicado no JCI Insight, o estudo analisou amostras de sangue de 16 irmãos em 5 famílias afetadas por uma doença rara da medula óssea e descobriram que todas elas carregavam mutações germinativas nos genes SAMD9 ou SAMD9L.
O distúrbio é conhecido como mielodisplasia e a síndrome da leucemia com monossomia 7, também denominada síndrome da monossomia familiar 7. Em 3 das 5 famílias, um pai aparentemente saudável também carregava a mutação. Mutações germinativas são encontradas no ADN de cada célula e geralmente são herdadas.
“Surpreendentemente, as consequências para a saúde dessas mutações variaram por razões que ainda precisam ser determinadas, mas as descobertas já estão a afetar a forma como podemos administrar e tratar esses pacientes”, disseram os investigadores.
3 dos 16 irmãos desenvolveram leucemia mieloide aguda, tendo acabado por falecer da doença ou por complicações relacionadas com esta. 2 outros irmãos foram diagnosticados com síndrome mielodisplásica, um distúrbio caraterizado por números abaixo da média de células sanguíneas normais. Os sintomas incluem anemia, infeções, hemorragias e aumento do risco de desenvolver leucemia mieloide aguda.
Porém, 11 crianças com as mutações eram aparentemente saudáveis, embora várias tivessem sido tratadas para a anemia e outras condições associadas à baixa contagem sanguínea. Alguns desses pacientes apresentavam um historial prévio de monossomia da medula óssea 7, corrigida espontaneamente ao longo do tempo. Esses pacientes, apesar de não terem sido sujeitos a qualquer terapia, pareciam ter função normal da medula óssea.
“Essa foi uma surpresa ainda maior. A recuperação espontânea experimentada por algumas crianças com as mutações germinativas sugere que alguns pacientes com mutações SAMD9 e SAMD9L, que foram anteriormente considerados candidatos ao transplante de medula óssea, podem recuperar a função hematológica por conta própria”, lê-se no artigo.
Os resultados também identificaram o SAMD9 e o SAMD9L como genes de predisposição ao cancro, que devem ser incluídos no aconselhamento genético e na triagem oferecidos a pacientes e famílias em risco. Essas famílias incluem as pessoas afetadas por mielodisplasia e anormalidades sanguíneas relacionadas, como a leucemia mieloide aguda.
O St. Jude Children's Research Hospital está, neste momento, a tentar desenvolver ensaios clínicos e novos tratamentos para crianças com distúrbios da insuficiência da medula óssea, incluindo a mielodisplasia.
Com estas descobertas resolve-se um mistério que data dos anos 80. Nessa altura, estes mesmos investigadores relataram a existência de várias famílias com crianças e adolescentes que desenvolveram mielodisplasia ou leucemia mieloide aguda. Esses pacientas também tinham uma cópia, em vez das usuais duas, do cromossoma 7, uma condição conhecida como monossomia 7. Os esforços para identificar a mutação, ou mutações, envolvidas não tiveram sucesso na época, mas os especialistas começaram a recolher e a depositar amostras de sangue de outras pessoas, nomeadamente familiares, com histórico médico similar.
Uma pista chave para resolver o enigma veio em 2016, quando cientistas japoneses mostraram que as mutações germinativas do SAMD9 causavam a síndrome MIRAGE, um transtorno complexo do desenvolvimento no qual algumas crianças desenvolvem SMD com monossomia 7.
Já investigadores da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, identificaram mutações no SAMD9L em crianças com síndrome neurológica rara associada a mielodisplasia e monossomia 7. As mutações em SAMD9 e SAMD9L foram rapidamente identificadas em crianças com outros distúrbios neurológicos e de desenvolvimento raros. Notavelmente, os genes SAMD9 e SAMD9L estão localizados no cromossoma 7 e a cópia mutante é invariavelmente perdida das células da medula óssea de crianças com monossomia 7.
Em 2017, os investigadores do atual estudo relataram que 8 dos 46 pacientes do St. Jude Children's Research Hospital com mielodisplasia tinham mutações germinativas em SAMD9 e SAMD9L.
“Juntamente com o estudo atual, esta pesquisa sugere que mutações nesses genes causam um espetro diversificado de distúrbios que interrompem a mesma via de controlo do crescimento em diferentes tecidos”, disseram os autores.
Para os investigadores, o SAMD9 e o SAMD9L são ativados em resposta a infeções virais. Embora a função normal de ambas as proteínas seja pouco compreendida, sabe-se que a sua ativação anormal inibe o crescimento celular.
Neste estudo, o sequenciamento intensivo de células mutantes mostrou que a pressão seletiva no desenvolvimento de células sanguíneas, incluindo células estaminais, favorece as células sem as mutações SAMD9 ou SAMD9L; isso pode aumentar a pressão para que as células rejeitem seletivamente o cromossoma 7 com a alteração do gene ou tomem outras medidas moleculares para neutralizar a proteína mutante.
Esta pesquisa também mostrou que em pacientes que desenvolveram leucemia mieloide aguda, a perda do cromossoma 7 foi associada ao desenvolvimento de mutações em genes adicionais, incluindo ETV6, KRAS, SETBP1 e RUNX1, mutações que estão amplamente associadas à monossomia 7 neste tipo de leucemia.
A presença de mutações secundárias também pode ajudar os médicos a identificar quais os pacientes irão beneficiar de tratamento imediato, incluindo quimioterapia ou transplante de medula óssea, para prevenir ou tratar a leucemia mieloide aguda ou mielodisplasia.
Para pacientes sem as mutações ou sintomas significativos devido ao baixo número de células sanguíneas, a observação atenta com acompanhamento cuidadoso pode às vezes ser uma opção.
“Agora que sabemos que esta doença se pode ser resolvida em alguns pacientes sem tratamento, precisamos de nos concentrar no desenvolvimento de diretrizes de triagem e tratamento. Queremos reservar o transplante de medula óssea hematopoiética para aqueles que realmente precisam do procedimento, e estas descobertas ajudam a indicar o caminho”, concluíram os autores.
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