Mariana Cravo, Serviço de Dermatologia do IPO de Lisboa
Os tratamentos mais comumente utilizados para o cancro na idade pediátrica são a cirurgia, a quimioterapia, a imunoterapia, a radioterapia e o transplante de medula óssea. Apesar de destruírem as células malignas, estes podem causar efeitos indesejados em vários órgãos do corpo, sendo a pele um dos frequentemente afectados.
Nesta primeira parte falaremos da cirurgia e da quimioterapia.
A cirurgia, a nível da pele, tem como consequência a presença de uma cicatriz, cujo aspecto vai depender da sua localização e tempo de evolução. A pele localizada a áreas como a face, couro cabeludo e pescoço tende a cicatrizar melhor do que a do tronco e membros, onde, pelos movimentos, a cicatriz tende a ficar deiscente, ou seja, com um aspecto “aberto” e com pele flácida no centro ou, eventualmente quelóide ou hipertrófica, que se traduz numa cicatriz dura, espessa, elevada, podendo causar desconforto, dor ou comichão.
O que posso fazer para que a cicatriz cirúrgica do meu filho fique o mais discreta possível?
Após a retirada dos pontos, devem ser aplicados duas vezes ao dia, sobre a cicatriz, cremes cicatrizantes, acompanhados de massagem da mesma. Alternativamente, podem ser aplicadas placas de silicone que modulam a cicatriz e a tornam mais discreta. Em ambos os casos, estes procedimentos devem ser efectuados, em média, durante cerca de 6 meses.
Deverá ser evitada a exposição solar durante o primeiro ano após a cirurgia, para evitar que a cicatriz se torne mais escura do que a pele em redor. Se esta se encontrar numa área habitualmente exposta ao sol, como a face, pescoço, dorso das mãos, a mesma deverá ser sempre protegida através da aplicação de um creme protector solar 50+, por um período aproximado de um ano.
Para se evitar a formação de uma cicatriz deiscente, dever-se-á tentar reduzir ao máximo possível os movimentos da criança, nos primeiros meses após a cirurgia, nomeadamente protelando a realização de exercício físico.
No que concerne a quimioterapia, mais de 90% das crianças sofre uma alteração da sua pele em consequência deste tratamento, nomeadamente se sofrerem de doença hematológica. Estas alterações diminuem a qualidade de vida da criança, podendo haver necessidade de alteração das doses, da frequência ou mesmo de suspensão do tratamento.
As reacções secundárias mais comuns são a queda de cabelo, inflamações e secura da pele.
A queda de cabelo pode surgir desde dias até 3 meses após o início da quimioterapia e, de momento, infelizmente, não existe nenhum tratamento específico para esta situação. No entanto, aconselha-se o uso de champô suave e a evicção de uso de produtos capilares que possam agredir o couro cabeludo.
As inflamações da pele causadas pela quimioterapia podem ter aspectos clínicos e gravidade muito variáveis. A área genital, nomeadamente em crianças que usam fralda, é frequentemente atingida, observando-se vermelhidão em redor do ânus, grandes lábios / escroto, podendo causar pequenas feridas na pele, que causam bastante mal-estar e inclusive dor. Para evitar esta situação, é importante que seja feita uma muda frequente da fralda e limpeza da área com produtos suaves, sem sabão ou perfume, sendo de evitar o uso de toalhetes perfumados. Deverá ser aplicado um creme barreira suave, idealmente que fique transparente quando aplicado na pele, que permita que esta possa “respirar” e que seja facilmente removível.
No caso da secura da pele aconselha-se o uso de produtos de higiene adequados, sem sabão, com pH fisiológico, devendo ser evitados sabonetes alcalinos. Logo após o banho, e ainda com a pele ligeiramente húmida, porque facilita a sua absorção, é fundamental a aplicação de um creme hidratante apropriado à idade pediátrica, idealmente sem perfume.