Tatum Fettig recorda-se perfeitamente do dia em que a sua vida, e a da sua família, moudou para sempre.
Em 2016, a sua filha Teagan começou a vomitar e a ter problemas de equilíbrio; preocupada, a progenitora levou a criança, na altura com 2 anos, até ao Seattle Children’s Hospital, nos Estados Unidos, onde a menina foi diagnosticada com meduloblastoma, um tipo agressivo de tumor cerebral.
Enquanto Teagan era sujeita a duros tratamentos oncológicos, Tatum e o seu marido tentavam lidar com a incerteza de saber se a sua filha iria sobreviver.
“Ter um filho com cancro é algo traumatizante. Traumatizante para a criança, para os pais, para a família”, explica Tatum.
“As pessoas dizem, com as melhores das intenções, que os pais devem cuidar de si, que não se podem deixar embrenhar por todo aquele doloroso processo, mas quando o nosso filho está doente, não conseguimos pensar em mais nada”.
Infelizmente, a experiência Tatum é algo muito comum entre os pais de crianças com cancro.
Investigações mostram que os pais de crianças com doença oncológica experimentam stress psicológico durante o tratamento dos filhos. Após a conclusão do tratamento, os pais relatam frequentemente sintomas de ansiedade, depressão e stress pós-traumático; no entanto, o apoio mental, emocional e social para os pais não é algo típico após o diagnóstico de cancro de uma criança.
Num estudo publicado na revista JAMA Network Open, cientistas do Seattle Children’s Hospital abordaram essa necessidade, adaptando uma intervenção usada anteriormente para adolescentes e adultos jovens com cancro; a investigação descobriu que sessões individuais de ensino de habilidades por meio de uma ferramenta chamada PRISM-P (Promover a Resiliência no Gerenciamento do Stress Paternal) melhoraram a resiliência e a busca de benefícios, ou crescimento pessoal, entre pais de crianças com cancro.
“Isso mostra que nós estamos a fazer algo muito importante: estamos a ajudar os pais, a apoiá-los e a fazê-los ver que podem tentar encontrar algo de bom no meio de tantas coisas más”, disse Abby Rosenberg, investigadora do Seattle Children’s Hospital e a principal autora do estudo.
“Sabemos que o bem-estar dos pais se transfere para o bem-estar dos filhos e vice-versa, por isso é importante ajudar os pais a ajudar os seus filhos. De fato, foi isso que ouvimos muito durante o ensaio do PRISM-P: ‘Esta plataforma ajudou-me a cuidar melhor do meu filho’”.
A necessidade de mais apoio
Os pais de crianças em tratamento oncológico enfrentam desafios únicos que afetam significativamente as suas vidas; esses desafios podem incluir mudanças laborais e financeiras, e mudanças na dinâmica e na estrutura familiar.
“Ser pai de uma criança com cancro é muito difícil. Os cuidadores podem experimentar tristeza, raiva, angústia e stress, para além do profundo amor, paciência e sacrifício pelos seus filhos”, diz a investigadora.
No Seattle Children’s Hospital, cada família afetada pelo cancro infantil tem uma assistente social que atende as diversas necessidades, desde as concretas, incluindo assistência em seguros e transporte, até às psicossociais, como o aconselhamento e o apoio amigável e compassivo. Ainda assim, Abby afirma que é necessário fazer mais por aquelas famílias.
“As necessidades da criança vêm sempre em primeiro lugar o que faz com que, muitas vezes, as necessidades dos pais passem para segundo plano.”
Promover a resiliência para ajudar os pais a lidar com um diagnóstico
O PRISM-P tem como objetivo ajudar os cuidadores a lidar com as mudanças e tensões da vida.
“O programa é fácil de aprender, com habilidades simples que aprendemos com outras famílias. Ali, os pais sentem que são vistos, que as suas preocupações são ouvidas. Por outras palavras, esta plataforma reconhece que o cancro é mais do que apenas a sua biologia“.
Para ajudar a criar resiliência, a capacidade de usar recursos para sustentar o bem-estar psicológico ou físico diante do stress, o PRISM ensina quatro habilidades.
Isso inclui gerenciamento do stress, o estabelecimento de metas mensuráveis com etapas claras, a reestruturação cognitiva (reconhecimento de experiências negativas de conversação interna e reestruturação) e a criação de significado (encontrar um objetivo e identificar gratidão apesar das adversidades).
Cada habilidade foi associada a resultados emocionais positivos e a uma melhor forma de enfrentar a doença.
“Este método já foi usado em pessoas que experimentaram desastres naturais, pobreza, guerra e outras doenças”, conta a investigadora.
“Estamos a direcionar recursos e a fornecê-los deliberadamente para que as pessoas não precisem de aprender por conta própria”.
O estudo incluiu 94 pais cujos filhos haviam recebido um diagnóstico de cancro entre dezembro de 2016 e dezembro de 2018.
A investigação explorou se o PRISM-P, feito em quatro sessões individuais ou em grupo, melhorou a resiliência relatada pelos pais em comparação com os cuidados usuais.
Durante as sessões, era dada aos pais a oportunidade de colocar em prática o que eles haviam aprendido. Por exemplo, os pais tiveram acesso a orientações que os ajudaram a estabelecer metas, interromper o diálogo interno negativo e registar momentos de gratidão.
Embora as sessões individuais tenham sido eficazes na construção da resiliência, as sessões de grupo não mostraram melhorias significativa; os cientistas acreditam que isso se deve ao fato de os pais, em grupo, não se sentirem à vontade para falar sobre as suas experiências.
Ainda assim, todos os participantes do estudo afirmaram que a ajuda dada pela plataforma foi fundamental.
Ajudar pais e filhos
Tatum participou nas sessões individuais do PRISM-P enquanto a sua filha recebia tratamento; antes de se tornar a cuidadora da sua filha, Tatum era conselheira numa escola secundária.
Apesar de conhecer a importância das habilidades de resiliência, esta mãe recorda o sentimento de se sentir sobrecarregada e incapaz de relaxar durante o tratamento da filha, até que começou a usar as ferramentas que aprendeu no PRISM.
“Quando estamos sob um stress tão grande, entramos em modo de luta. Eu só conseguia pensar na sobrevivência da Teagan. O PRISM é uma plataforma simples, útil e acessível, que me ajudou a reorganizar a minha saúde mental e a utilizar recursos que eu sabia que existiam, mas que não estava a aproveitar. Foi uma bênção poder ter tido acesso ao PRISM”.
Tatum usou a ferramenta de gerenciamento do stress da atenção plena, que envolve respirar, acalmar a mente e identificar emoções e fatores stressantes. Após participar nas sessões do PRISM, a mãe começou a usar aplicações de meditação no smartphone durante todo o tempo em que a sua filha estava internada.
“É um verdadeiro desafio conseguirmos manter a calma enquanto os nossos filhos estão a ser sujeitos a quimioterapia. Mas aprendi que, se conseguisse acalmar o meu corpo, conseguiria acalmar a minha mente”.
“O PRISM ajudou-me a ficar mais calma, fosse através da meditação ou da música. E quanto mais calma eu estivesse, mais presente e disponível me sentia para ajudar a Teagan”.
A menina foi também sujeita a uma terapia com protões, que lhe trouxe alguns efeitos secundários graves. Teagan deixou de conseguir andar, falar e sentar, pelo que teve de fazer vários tratamentos adicionais. Hoje, Teagan é uma criança de 4 anos feliz, que adora brincar com o irmão mais velho, fazer terapia com cavalos, dançar, cantar e desenhar.
Já Tatum continua a utilizar as habilidades que aprendeu com o PRISM.
“Apesar de não se falar muito nisso, o pós-tratamento é uma parte muito maior da nossa jornada. É um trabalho a tempo integral, pois temos de gerenciar os efeitos secundários do tratamento do cancro”.
“Quando um filho é diagnosticado com cancro, percebemos que nós, enquanto pais, temos muito pouco controlo. Por isso, temos de colocar toda a nossa energia em coisas positivas. É estranho dizer isto, mas temos de tirar o melhor de uma situação em que nenhum pai deseja estar.”
Atualmente, os cientistas estão a tentar expandir o PRISM a outras clínicas e hospitais.
“Queremos ajudar o maior número de pessoas possível”, disse Abby Rosenberg.
Fonte: Eurekalert