O cancro surge quando as células acumulam danos suficientes para mudar o seu comportamento normal. A probabilidade de acumular danos aumenta com a idade porque as vias de proteção do código genético que garantem o bom funcionamento das células enfraquecem com o tempo.
Nos adultos, o cancro evolui através de uma acumulação gradual de erros e danos no código genético. Embora existam proteções do organismo contra o crescimento celular descontrolado e mecanismos de reparação para corrigir erros genéticos, o envelhecimento, a exposição a toxinas ambientais e estilos de vida pouco saudáveis podem enfraquecer estas proteções e levar à degradação dos tecidos. Os tipos mais comuns de cancros em adultos, como o cancro da mama e o cancro do pulmão, resultam frequentemente desses danos acumulados.
Nas crianças, cujos tecidos ainda estão em desenvolvimento, existe uma dupla dinâmica entre crescimento e prevenção do cancro. Por um lado, as células que se dividem rapidamente estão a organizar-se em tecidos num ambiente com “vigilância imunitária” limitada – um cenário ideal para o desenvolvimento do cancro. Por outro lado, as crianças dispõem de salvaguardas robustas e mecanismos rigorosamente regulamentados que atuam como forças contrárias contra o cancro e tornam-no uma ocorrência rara, explica a investigadora Ranjini Bhattacharya, da Universidade do Sul da Flórida, nos Estados Unidos.
As crianças raramente acumulam erros no seu código genético e os pacientes pediátricos com cancro têm uma incidência muito menor de erros genéticos do que os pacientes adultos com cancro. No entanto, quase 10% dos casos de cancro pediátrico nos Estados Unidos são devidos a mutações genéticas herdadas. Os cancros hereditários mais comuns surgem de erros genéticos que influenciam o destino celular – isto é, o que uma célula se torna – durante as fases de desenvolvimento antes do nascimento. Erros nas células embrionárias acumulam-se em todas as células subsequentes após o nascimento e podem finalmente manifestar-se como cancro.
Os cancros pediátricos também podem surgir espontaneamente enquanto as crianças estão em crescimento. Estes são impulsionados por alterações genéticas distintas daquelas comuns em adultos. Ao contrário dos adultos, onde os danos normalmente se acumulam como pequenos erros durante a divisão celular, os cancros pediátricos resultam frequentemente de rearranjos em grande escala do código genético. Diferentes regiões do código genético trocam de lugar, interrompendo as instruções da célula de forma irreparável.
Tais alterações ocorrem frequentemente em tecidos com renovação constante, como o cérebro, os músculos e o sangue. Não é novidade que os cancros pediátricos mais prevalentes emergem frequentemente nestes tecidos.
Alterações genéticas não são um pré-requisito para o cancro pediátrico. Em certos cancros cerebrais pediátricos, a região do código genético responsável pela especialização celular fica permanentemente silenciada. Embora não haja erro no código genético em si, a célula não consegue lê-lo. Consequentemente, essas células ficam “presas” num estado de divisão descontrolado, levando ao desenvolvimento do cancro.
Adaptar os tratamentos para o cancro pediátrico
As células das crianças normalmente apresentam maior crescimento, mobilidade e flexibilidade. Isto significa que o cancro pediátrico é frequentemente mais invasivo e agressivo do que o dos adultos, e pode afetar gravemente o desenvolvimento mesmo após uma terapia bem sucedida devido a danos a longo prazo. Dado que as trajetórias do cancro em crianças e adultos são marcadamente diferentes, as abordagens de tratamento também devem ser diferentes para cada um.
A terapia padrão contra o cancro inclui radioterapia ou quimioterapia, que afetam as células cancerígenas e saudáveis, em divisão ativa. Se o paciente não responder a esses tratamentos, os oncologistas tentam um medicamento diferente.
Nas crianças, os efeitos secundários de certos tratamentos são amplificados, uma vez que as suas células estão a crescer ativamente. Ao contrário dos cancros em adultos, onde diferentes medicamentos podem atingir diferentes erros genéticos, os cancros pediátricos têm menos destes alvos. A raridade do cancro pediátrico também torna difícil testar novas terapias em ensaios clínicos em larga escala.
Uma razão comum para o fracasso do tratamento é quando as células cancerígenas se adaptam para evitar o tratamento e se tornam resistentes aos medicamentos. A aplicação de princípios da biologia evolutiva ao tratamento do cancro pode ajudar a resolver este problema.
Por exemplo, a terapia de extinção é uma abordagem de tratamento inspirada em eventos naturais de extinção em massa. O objetivo desta terapia é erradicar todas as células cancerígenas antes que elas possam evoluir. Isso é feito aplicando um medicamento de “primeiro ataque” que mata a maioria das células cancerígenas. As poucas células cancerígenas restantes são então visadas através de intervenções focadas e em menor escala.
Se a extinção completa não for possível, o objetivo passa a ser prevenir a resistência ao tratamento e impedir a progressão do tumor. Isto pode ser conseguido com terapia adaptativa, que aproveita a competição pela sobrevivência entre as células cancerígenas. O tratamento é “ligado” e “desligado” dinamicamente para manter o tumor estável, ao mesmo tempo que permite que as células sensíveis à terapia superem a competição e suprimam as células resistentes. Essa abordagem preserva o tecido e melhora a sobrevivência.
Ao reconhecer as diferenças de desenvolvimento entre cancros pediátricos e em adultos e usando a teoria evolutiva para “antecipar e orientar” a trajetória do cancro, pode-se melhorar os resultados para as crianças. Em última análise, isso poderia melhorar as probabilidades de os pacientes jovens ter um futuro melhor e livro de cancro.
Fonte: The Conversation