As células cancerígenas leucémicas podem “adormecer” e, assim, evitar os efeitos da quimioterapia, de acordo com uma nova investigação.
Acontece que o facto de a célula estar neste estado dormente ou não aumenta as suas probabilidades de sobreviver à quimioterapia e é completamente independente das suas mutações, como se supôs anteriormente.
A descoberta, feita em conjunto por cientistas do Institute of Cancer Research e da University College London, ambos no Reino Unido, pode ajudar a direcionar a investigação nesta área para novos tratamentos mais eficazes contra a leucemia infantil, que impedem a recidiva da doença.
As células cancerígenas têm algumas características comuns às células estaminais saudáveis do corpo; ambas entram e saem de estados dormentes como parte do seu ciclo natural – quando estão dormentes, ou “adormecidas”, essas células evitam o stress ambiental, como é o caso da quimioterapia.
As células dormentes estão em estado de hibernação, sem afetar o corpo, mas também não são afetadas por fármacos que normalmente as destruiriam. Estas células conseguem este truque com o uso de bombas de ação rápida que ejetam quaisquer fármacos ou toxinas estranhas que entrem na célula.
Esta investigação inovadora, publicada na revista Nature Cancer, sugere uma resposta para o antigo enigma de o porquê de os pacientes com leucemia precisarem de entre 2 a 3 anos de terapia de manutenção após o tratamento inicial.
Os médicos devem esperar pela possibilidade de que as células cancerígenas dormentes acordem com a esperança de serem infetadas rapidamente com a quimioterapia – isso diminui as probabilidades de restabelecimento de uma grande população de células malignas.
A investigação recolheu amostras de células de leucemia antes do tratamento de 5 pacientes com leucemia infantil. A leucemia linfoblástica aguda do precursor de células B na infância é um cancro de sangue raro, que cria muitos glóbulos brancos imaturos no sangue e na medula óssea. A quimioterapia reduz o número de células cancerígenas no sangue, mas algumas células conseguem sobreviver. Conhecer o perfil das células sobreviventes é essencial para o desenvolvimento de tratamentos mais direcionados.
Antes da quimioterapia, a equipa classificou fisicamente células raras individuais dos pacientes que apresentavam marcadores de dormência; de seguida, os cientistas traçaram o perfil dessas células raras para mutações e compararam-nas com uma árvore genealógica de perfis de mutação feita a partir da amostra original.
As descobertas mostraram que, em ramos específicos da árvore genealógica que surgiram de mutações, as células dormentes existiam em toda a árvore genealógica.
Os investigadores concluíram que características mutacionais e genética não podem determinar se uma célula cancerígena estaria num estado dormente no momento em que a quimioterapia é introduzida.
“Muito provavelmente, estas células entram e saem de um estado de dormência frequentemente, sendo que aquelas que estão dormentes no momento da quimioterapia são as que sobrevivem”, disse Mel Greaves, o principal autor da investigação e chefe adjunto da Divisão de Patologia Molecular do Institute of Cancer Research.
A equipa da da University College London, liderada por Tariq Enver, obteve resultados paralelos em testes de células que sobreviveram à quimioterapia – os cientistas implantaram células leucémicas humanas em ratos e, em seguida, administraram aos animais quimioterapia semelhante à que os pacientes humanos recebem.
“Observámos, de forma surpreendente, que todas as diferentes genéticas antes do tratamento estavam presentes após o tratamento. Portanto, não houve seleção baseada em genes. E questionámo-nos o porquê de aquilo acontecer. Percebemos que a quimioterapia estava a selecionar um estado celular muito específico. Algumas células estavam muito dormentes, de acordo com os marcadores que temos para aquele estado celular. Uma vez que a quimioterapia tem como alvo células que são muito ativas, essas células podem sobreviver ‘dormindo’ durante o tratamento.”
Crianças tratadas contra leucemia devem receber tratamento durante 2 a 3 anos; primeiro, há uma dose de indução de quimioterapia e depois segue-se um período de manutenção de longo prazo da terapia.
Segundo os cientistas, a próxima etapa é considerar como esta descoberta pode influenciar o tratamento da leucemia linfoblástica aguda do precursor de células B.
O investigador Mel Greaves sugere que os locais de tratamento podem usar testes sensíveis para células leucémicas dormentes no sangue no ponto final da terapia de manutenção – se ainda restarem células cancerígenas, isso é sinal que a terapia de manutenção tem de continuar.
Uma outra sugestão aposta noutra abordagem e “talvez seja contraintuitiva”.
“Em vez de esperarmos, administramos uma hormona para ativar todas as células cancerígenas dormentes. Ao tentarmos ativar as células dormentes e forçá-las de volta ao ciclo celular, o plano será administrar mais quimioterapia e eliminar todas de uma vez”, explicou Mel Greaves.
Ainda assim, o cientista confirma que este método é “potencialmente mais arriscado, pois a ativação precisa ser limitada às células cancerígenas e não às células saudáveis”.
Fonte: Institute of Cancer Research