Cancro infantil, uma doença que clama por atenção

Em todo o mundo, cerca de 200 mil crianças por ano são diagnosticadas com cancro.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a doença afeta famílias a nível global e pode ser tratada com acesso a cuidados de saúde de qualidade.

Mas na Nigéria, como em outros países pobres e em desenvolvimento, crianças como Fátima e Abijia, são incapazes de obter os cuidados necessários ou de completar o processo de tratamento por várias razões, especialmente financeiras, tornando essas regiões responsáveis por 90% das mortes causadas pelo cancro pediátrico.

Durante 5 meses, Fátima, de 5 anos de idade, lutou contra uma doença ocular desconhecida, antes de os especialistas do National Eye Centre, na Nigéria, terem diagnosticado um retinoblastoma – um cancro ocular que afeta principalmente crianças pequenas.

Quando os sintomas começaram, o pai, Mohammed, disse que a família procurou ajuda numa loja das proximidades que vendia alguns medicamentos, que eram prescritos e pagos.

“Mas logo depois de ela começar a tomar os medicamentos, o olho direito começou a inchar e a largar pus”, recorda.

Para ajudar a angariar dinheiro para o tratamento da menina, o Daily Trust publicou um artigo sobre Fátima, que era a 14ª filha daquela família. A história atraiu a simpatia de um benfeitor que se ofereceu para cobrir as suas despesas médicas.

Fátima morreu três semanas após a oferta e juntou-se às estatísticas do índice de mortalidade de crianças menores de 5 anos da Nigéria.

A história de Fátima não é muito diferente da de Abijia, uma menina de 3 anos de idade, que ficou internada durante meses no Hospital Nacional de Abuja, na Nigéria, a receber cuidados paliativos antes do início de um tratamento adequado para a leucemia.

Antes de começar o tratamento, os médicos apresentaram à sua mãe, Mercy, um adiantamento inicial milhares de nairas, a moeda oficial do país. Por não ter dinheiro suficiente, Mercy fugiu com a filha, embora hoje em dia, a leucemia pediátrica seja curável com o tratamento.

Com medo de ser presa por ter fugido com a criança, Mercy está agora num local incógnito; isto, apesar de uma organização ter conseguido angariar dinheiro para o tratamento da filha.

Uma nova investigação, intitulada “O desafio da oncologia pediátrica em África”, liderada por LG Hadley, estima que 9 em cada 10 crianças com cancro vivem em países em desenvolvimento e pobres, com acesso limitado aos cuidados de saúde.

Apenas uma ou duas em 10 crianças nestes países sobreviverão ao cancro.

Enquanto 7 a 8 de cada 10 crianças com cancro conseguem curar-se em países desenvolvidos, mais de 70% de todas as mortes relacionadas à doença ocorrem em ambientes pobres em recursos.

“Mais de 80% das crianças com cancro nestes países têm pouco ou nenhum acesso aos tratamentos, embora os cancros infantis sejam frequentemente tratáveis ”, revelou a pesquisa.

A investigação de Hadley também observou que 7 em cada 10 dos cancros renais em crianças são diagnosticados em estadios terminais, tarde demais para serem curados.

Uma oncologista e hematologista pediátrica do Hospital Universitário da Universidade Ahmadu Bello, a Dr. Zaria Hafsat Ahmad, liderou uma pesquisa de 8 anos sobre os padrões e os resultados de malignidades infantis naquela instituição; segundo ela, 247 dos 426 casos de cancro infantil diagnosticados entre janeiro de 2006 e dezembro de 2013 eram crianças com menos de 5 anos.

De acordo com os resultados da sua pesquisa, a cirurgia e a quimioterapia foram as modalidades mais comuns de tratamento oferecidas para cerca de 80% dos casos; ainda assim, 1 em cada 3 pacientes morreu.

A investigação também descobriu o quão difícil é determinar a taxa de sobrevivência de crianças com cancro, devido à falta de um Registo Oncológico Nacional viável naquele país.

Muitas vezes existem programas de consciencialização, prevenção e tratamento do cancro, “mas todos eles se têm focado nos adultos; e mesmo que um deles se tenha focado no cancro infantil, não recebeu a mesma atenção e destaque do que programas que se referem a, por exemplo, cancro da mama”, lê-se no estudo.

A Dr. Zaria Hafsat Ahmad falou sobre as causas dos cancros infantil, que são geralmente desconhecidas, “mas há certas coisas que predispõem a criança ao cancro, como a genética, que pode ser herdada ou não. Existem outras coisas como as infeções. A malária tem sido implicada no desenvolvimento do cancro infantil – como é o caso do linfoma de Burkitt”, disse.

A oncologista explica que também “existe outro vírus que tem sido implicado no desenvolvimento de cancros infantis, que é o vírus do VIH. Além disso, filhos de mães que foram submetidas a radiação durante a gravidez também correm um maior risco de desenvolver cancro”.

Embora haja um aumento de casos de cancro pediátrico, como a leucemia, Zaria afirma que em Abuja existe apenas 1 oncologista pediátrico para cada 40 crianças com cancro.

A falta de informação leva a que os “pais, quando pressentem algo está errado com a criança, mais facilmente a levam a curandeiros ou a igrejas do que a centros de saúde primários, hospitais ou clínicas. Quando as crianças chegam até nós, já os pais gastaram todo o pouco dinheiro que tinham. E as crianças muitas vezes estão já num estado avançado da doença, desnutridas e anémicas”.

“O preço dos tratamentos é muito elevado, para além de que são muito difíceis de encontrar; por isso é que muitos pais fogem ou saem do hospital contra o conselho do médico”, disse a médica.

Runcie Chidebe, psicóloga e diretora executiva do Projeto Pink Blue, uma organização que desde 2013 defende o controlo e o tratamento do cancro, afirmou que existe uma necessidade urgente “de que o governo priorize o cancro a todos os níveis: prevenção, cuidado e tratamento. O financiamento e o orçamento para a saúde são muito baixos na Nigéria”.

“Para a população da Nigéria, 8 centros de cancro, onde apenas 3 ou 4 máquinas de radiação funcionam, são insuficientes. Seria extremamente benéfico se as triagens pudessem ser feitas em centros de saúde públicos e hospitais, de forma a podermos detetar a doença mais cedo, o que fará com que o prognóstico seja melhor”, disse a psicóloga.

É difícil determinar qual a proporção de crianças que recebe ajuda médica.

Fátima e Abijia são apenas parte das 200 mil crianças diagnosticadas anualmente com cancro em todo o mundo, mas poderiam ter sido salvas se tivessem sido diagnosticadas de forma precoce e tratadas adequadamente.

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