Cancro infantil: quando o diagnóstico tarda em chegar

O cancro não é só um problema de adultos.

Um relatório da American Cancer Society estima que, no ano passado, só nos Estados Unidos, mais de 11 mil crianças com idades entre 1 e os 14 anos foram diagnosticadas com algum tipo de cancro; dessas, 1 190 não sobreviveram.

Os jovens diagnosticados com cancro têm de lidar com muito mais do que “apenas” a sua saúde frágil e debilitada.

Para eles, o cancro não é apenas uma doença, é uma doença que acarreta um certo estigma social.

Esse foi o caso de Ciara Husing, uma jovem que, quando foi diagnosticada com cancro, sentiu que lhe tinham dado uma sentença de morte, não só pelo seu corpo, mas pela sua posição nos círculos sociais.

“Os meus colegas de escola eram maus para mim. Uma delas chegou a perguntar-me se eu sabia que ia morrer”, conta a sobrevivente.

O basquete é a grande paixão de Ciara. – Fonte: DR

Primeiro, foi um alívio, mas depois a realidade instalou-se para McKenzie Husing, a mãe de Ciara, que numa típica tarde quente de agosto de 2018, começou a chorar dentro do seu carro enquanto segurava um envelope, que continha os resultados de alguns testes a que Ciara tinha sido sujeita após ter removido uma massa do joelho.

Tinham sido 2 anos de luta, dor e angústia – não apenas para Ciara, mas também para a sua mãe. O envelope dizia “Sarcoma sinovial”.

“Não é cancro”, pensou McKenzie, mas depois percebeu que era. Percebeu que, com 8 anos, a sua filha teria de continuar a lutar pela sua vida.

De acordo com Douglas Harrison, pediatra na Universidade do Texas, nos Estados Unidos, os sarcomas são cancros de tecidos moles; o sinovial, diz o médico, refere-se aos ossos longos aos quais o tecido mole cancerígeno está ligado. Embora o sarcoma sinovial seja uma das formas mais comuns de sarcomas em termos de diagnóstico, não é típico em crianças.

“Um diagnóstico de cancro pediátrico é um fenómeno, já de si, bastante raro. Mas diagnósticos de tipos específicos de cancro são ainda mais raros. É extremamente raro diagnosticar um sarcoma sinovial em crianças”.

O diagnóstico mais comum em crianças é o de leucemia linfoblástica aguda, um cancro no tecido que forma o sangue. De seguida, surgem os tumores cerebrais e, só depois, os cancros de tecidos moles, que incluem, entre outros, os sarcomas.

Mas voltando à história de Ciara Husing e começando pelo início..

Em 2016, ainda Ciara frequentava o jardim de infância, quando se queixou de dores no joelho esquerdo. Na altura, a sua mãe pensou que eram dores de crescimento mas, ainda assim, pediu para que a criança fosse submetida a um raio-x.

Os resultados voltaram normais, mas a dor de Ciara não desaparecia.

Eventualmente, após várias consultas, os médicos diagnosticaram Ciara com uma condição chamada doença de Osgood-Schlatter.

De acordo com Mayo Clinic, a doença de Osgood-Schlatter manifesta-se como uma protuberância óssea na canela diretamente abaixo da rótula do joelho e é mais frequentemente associada a atletas jovens à medida que passam pelas diversas fases de crescimento. Apesar de os rapazes desenvolverem a doença um pouco mais tarde, esta condição é diagnosticada mais frequentemente em meninas dos 10 aos 13 anos.

Ciara tinha 6 anos.

Em retrospetiva, essa era a pista número 1 de que algo estava terrivelmente errado com o diagnóstico dado em setembro de 2016; em dezembro, Ciara estava na sala de espera de um médico ortopedista que lhe colocou uma cinta no joelho. Quando as dores persistiram, Ciara começou a usar joelheiras debaixo da roupa, o que lhe trouxe outros problemas: os de confiança.

Sob circunstâncias normais, a doença de Osgood-Schlatter tem sintomas específicos: o toque não causa dor e a inflamação tende a diminuir com descanso suficiente.

“Essas eram as pistas 2 e 3”, reflete Mckenzie.

No entanto, os médicos estavam certos do seu diagnóstico; a família consultou vários médicos e todos eles o confirmavam.

Mas as dores de Ciara continuavam, e nada parecia resolver a situação.

Desgastados, os pais da menina decidiram que, a partir dessa altura, sempre que Ciara se queixasse de dores, iriam com ela ao hospital.

Até que, em março de 2018, enquanto brincava com os seus irmãos, Ciara caiu e queixou-se de dores horríveis; os médicos disseram para a menina andar de muletas mas, finalmente, em abril, os pais conseguiram convencer o hospital a fazer uma ressonância magnética ao joelho de Ciara. O exame mostrou a existência de uma irregularidade: uma massa no joelho que se havia formado como resultado da doença de Osgood-Schlatter.

A família discutiu com os médicos, cansada de ouvir o mesmo diagnóstico.

“Nós discutimos e gritámos. Já não fazia sentido que a minha filha apenas tivesse aquela doença, tinha de haver algo mais. Nós não sabíamos o que estava a acontecer, mas tínhamos ali mais uma pista”.

Ainda assim, os médicos insistiram no diagnóstico inicial e, em agosto, Ciara foi sujeita a uma cirurgia para remover a massa cheia de líquido que se desenvolveu perto das articulações do seu joelho.

No final da cirurgia, “que demorou horas em vez dos 30 minutos que nos tinham dito”, o cirurgião foi ter com os pais de Ciara e explicou-lhes que algo de errado se passava.

“Ele sentou-se entre mim e o meu marido, olhou-nos nos olhos, e disse-nos que o melhor que tínhamos feito foi permitir que a Ciara fosse sujeita a uma cirurgia”; durante a intervenção, os médicos encontraram outra massa na perna da criança.

“Só podia ser cancro. Isso não me saía da cabeça”.

E os resultados dos exames, que chegaram naquele quente dia de agosto em que Mckenzie estava no carro, confirmaram-no: Ciara tinha um sarcoma sinovial.

Confusa e revoltada, a mãe de Ciara não sabia a quem ligar.

“Não há nada que explique a sensação de sabermos que os nossos filhos têm cancro. Queria ligar ao meu marido, aos meus pais, aos meus amigos, queria ter apoio, mas não conseguia. Fiquei paralisada no carro, a chorar”.

Mckenzie nunca desistiu da sua filha. – Fonte: DR

Até que, eventualmente, Mckenzie ligou ao pediatra que diagnosticou a doença de Osgood-Schlatter a Ciara.

“Ele não sabia o que me dizer. Pediu desculpas várias vezes, e ofereceu-se para ajudar a minha filha, juntamente com um especialista em vida infantil”.

Mckenzie recusou.

Mas faltava o mais difícil: contar a Ciara que a menina tinha cancro. Horas depois de ter aberto o envelope, Mckenzie sentou-se ao lado da sua filha e deu-lhe a triste notícia.

“O choro da minha filha foi excruciante. Meu Deus”.

45 dias e vários exames depois do diagnóstico, Ciara e a família viajaram até Boston, onde conheceram o homem que mudaria a vida desta criança: Ernest Conrad, um médico especializado em sarcomas, que se propôs a operar a perna de Ciara, fazendo uma cirurgia na qual foi pioneiro; essencialmente, o médico removeu uma parte da perna de Ciara, parte essa que foi substituída por um osso de um doador.

Depois da cirurgia, Ciara e a sua mãe mantiveram-se em Boston, onde foram acompanhadas por uma equipa multidisciplinar, coordenada por Ernest Conrad.

Lentamente, e depois de muito tempo, a vida de Ciara começa a regressar à normalidade.

Embora a menina tenha ficado com uma grande cicatriz na perna, “é a minha tatuagem”, diz, Ciara já é capaz de se mover sem praticamente nenhuma limitação.

Agora, Ciara já consegue correr, jogar basquete e estar com os seus amigos, mesmo com aqueles que disseram que ela ia morrer.

A menina está constantemente a ser vigiada, uma vez que o risco de recidiva é extremamente elevado.

Mas, mesmo assim, a menina persiste.

Fonte: Reporter News

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