Cancro Infantil: o que devemos fazer para combater esta doença?

Cancro Infantil: o que devemos fazer para combater esta doença?

O cancro é uma das principais causas de morte de crianças na Europa, sendo responsável por cerca de um quarto das mortes infantis entre as idades de 5 e 14 anos.

O combate ao cancro é uma das cinco “missões” propostas pela Comissão Europeia, concebidas para fornecer soluções para alguns dos desafios da Europa nos próximos 7 anos. O objetivo da missão, intitulada Conquering Cancer: Mission Possible, é salvar mais de 3 milhões de vidas até 2030.

A 3 de fevereiro, a Comissão Europeia publicou anunciou o “Europe Beating Cancer Plan” – Plano Europeu de Luta Contra o Cancro (https://www.pipop.info/ursula-von-der-leyen-dedica-discurso-a-sociedade-europeia-de-oncologia-pediatrica/), que estabelece ações concretas para reduzir o sofrimento causado pelo cancro e melhorar a vida dos doentes com cancro e das suas famílias. Este plano pretender encontrar novas formas de melhorar o tratamento e a qualidade de vida dos sobreviventes de cancro: duas questões críticas para as crianças com a doença.

Cinco coisas a sobre o cancro infantil

Os avanços no diagnóstico e no tratamento produziram melhorias significativas nas taxas de sobrevivência de cancro infantil na Europa, mas o fardo dos efeitos secundários a longo prazo em jovens – impulsionado pelo uso não licenciado de medicamentos contra o cancro para adultos – muitas vezes significa que “o preço da sobrevivência é alto”, dizem os cientistas.

A prescrição de medicamentos não licenciados ou o uso “off-label” de medicamentos destinados a adultos para crianças com cancro é, em grande parte, a norma, uma vez que a incidência da doença, em comparação com adultos, é rara, o que desincentivou a indústria farmacêutica a investir na investigação pediátrica.

“De alguma forma, tem sido amplamente aceite que as crianças com cancro sejam tratadas com medicamentos para adultos”, informa Ruth Ladenstein, coordenadora do projeto da Rede Europeia de Referência sobre o Cancro Pediátrico e membro do conselho do Mission Board for Cancer da União Europeia.

“Quando analisamos literatura científica, percebemos que existem vários medicamentos que estão a ser testados em adultos; mas isso não acontece com as crianças que são, na maioria das vezes, excluídas desses ensaios. Isso acontece porque a indústria entende que não existe mercado para estes pacientes. Mas está na hora de isso acabar. Temos de obter e de conseguir ter medicamentos que se ajustem melhor à idade e aos respetivos tipos de cancro”.

Mas quais são as principais diferenças entre o cancro em adultos e o cancro infantil? E como é que as pessoas podem lidar com esta devastadora doença?

  1.  O cancro em adultos é diferente do cancro em crianças

Fatores ambientais e de estilo de vida desempenham um papel crucial no desenvolvimento do cancro em adultos, pelo que “fazer algumas mudanças, como reduzir o consumo de álcool, parar de fumar e ter uma alimentação saudável pode diminuir a incidência de cancros fatais em adultos em até 40%”, explica Ruth Ladenstein.

Mas nas crianças, os fatores ambientais não parecem ter esse tipo de efeito direto, com apenas uma minoria dos cancros infantis a ser causada pela genética.

“Suspeitamos que alguns fatores ambientais podem desempenhar um papel, mas de uma forma muito indireta”.

“A maioria dos cancros infantis tende a manifestar-se nos primeiros anos de vida e são muito mais agressivos do que os cancros em adultos”, afirmou Kjeld Schmiegelow, da Universidade de Copenhaga, na Dinamarca.

“O tempo desde os primeiros sintomas até o diagnóstico, na maioria dos casos, é relativamente curto”.

Ainda assim, as taxas de sobrevivência em crianças – apesar da escassez de tratamentos adaptados para grupos de idades mais jovens – são impressionantemente altas, com 80% dos pacientes livres da doença 5 anos após o diagnóstico em países europeus desenvolvidos.

Atualmente, existem cerca de meio milhão de sobreviventes de cancro infantil na Europa. Em contraste, as taxas de sobrevivência a 5 anos para cancros diagnosticados adultos situam-se nos 54,5% na Europa.

“Também é importante referir que, quando uma criança é declarada livre da doença – e se não houver nenhum sinal de malignidade 5 anos após o diagnóstico, é muito provável que ela esteja curada. O mesmo não acontece com os adultos, que podem ter recidivas 5, 10, 15 anos depois…”, explica Kjeld Schmiegelow.

  1. Os medicamentos testados e aprovados para uso em adultos são o padrão de tratamento para o cancro infantil

Todos os anos, na Europa, são diagnosticados cerca de 35 mil novos casos de cancro em crianças e adolescentes – um número que aumenta substancialmente, 3,7 milhões, quando os adultos são incluídos.

“Essa grande discrepância explica, em parte, a falta de interesse da indústria em investir na oncologia pediátrica”, explicam os cientistas, afirmando que “dos 150 medicamentos oncológicos desenvolvidos na última década, apenas 9 foram aprovados para crianças”.

Ainda assim, os oncologistas pediátricos têm feito o possível para realizar testes em instituições académicas e ajustar medicamentos para adultos para atender às necessidades dos pacientes mais jovens. Normalmente, os cientistas testam combinações e estratégias de dosagem para quimioterapias que estão disponíveis no mercado há anos, mas que nunca foram, ou não foram suficientemente testadas em crianças.

Para medicamentos para adultos, as instituições académicas geralmente são contratadas e pagas para realizar testes iniciados por uma empresa farmacêutica. Exceto nos casos em que as empresas farmacêuticas são solicitadas a realizar testes em crianças pelas autoridades regulatórias, o ónus dos testes recai sobre oncologistas independentes. Normalmente, os cientistas entram em contato com a empresa e perguntam se eles podem garantir suprimentos de teste gratuitamente, enquanto o custo para executar o teste e estabelecer as redes internacionais necessárias depende de fundações de pesquisa independentes.

“É bastante claro que há um problema de financiamento ao nível dos ensaios pediátricos”, refere Kjeld Schmiegelow, destacando a necessidade da academia, dos legisladores nacionais e da indústria impulsionarem o desenvolvimento de tratamentos para o cancro infantil que sejam adequados à idade dos pacientes.

“Podemos questionarmo-nos se vale a pena colocar tantos recursos numa doença rara, mas a verdade é que vale. 1 em cada 5 mortes de crianças na Europa é causada pelo cancro”.

“Se olharmos para as taxas de sobrevivência de crianças com cancro de há 30 anos para agora, percebemos que elas têm vindo a melhorar substancialmente, e isso deve-se ao esforço que muitas pessoas têm feito. Infelizmente, esse progresso foi feito sem o apoio de muitas entidades responsáveis”, disse, afirmando que não existem sistemas de financiamento público que apoiam, de forma contínua, essas colaborações internacionais.

  1. As taxas de sobrevivência do cancro infantil diferem muito entre a Europa Oriental e a Europa Ocidental

Infelizmente, nem todas as crianças têm beneficiado dos avanços feitos ao nível do tratamento oncológico – na Europa Oriental, as taxas de sobrevivência são 20% mais baixas do que no resto da Europa.

“As taxas de sobrevivência estão vinculadas aos sistemas de saúde nacionais e aos orçamentos nacionais de saúde, portanto, as diferenças socioeconómicas entre a Europa Oriental e a Europa Ocidental são, parcialmente, culpadas”, explica Ruth Ladenstein.

Fármacos essenciais – como os quimioterápicos, que costumam servir de base para os tratamentos oncológicos – não estão disponíveis de maneira uniforme na Europa.

“Também é fundamental que todos os centros de tratamento europeus façam parte das redes de cancro de ensaios clínicos, pois é aqui que se aprende a lidar com os desafios da terapia, como eficácia insuficiente de um tratamento ou toxicidades graves – coisas como ajustar as doses de medicamentos de acordo com a tolerância e saber quais as combinações de medicamentos a serem usados ​​em pacientes que respondem mal”.

“Esse know-how é fundamental e não pode estar limitado a redes de médicos em instituições académicas que participam e desenvolvem ensaios clínicos. Esse know how nem sempre é descrito, e tem de ser. É graças a ele que conseguimos atingir taxas de sobrevivência tão boas”.

Segundo Ruth, a Europa Oriental vai recuperar o atraso quando começar a fazer parcerias com instituições da Europa Ocidental.

“Acredito que, daqui a 20 anos, começaremos a ver grandes melhorias ao nível das taxas de sobrevivência na Europa Oriental”.

  1. A maioria dos sobreviventes de cancro infantil sofre de efeitos secundários a longo prazo

Impulsionados pelo uso off-label de medicamentos para adultos, dois terços de todos os sobreviventes de cancro infantil têm problemas de saúde a longo prazo.

“Alguns desses efeitos secundários tóxicos são inaceitáveis, porque têm um efeito significativo na qualidade de vida destas crianças”, diz Kjeld Schmiegelow.

Desde “distúrbios cognitivos, a falências de órgãos, a necessidades de transplantes… em alguns casos, o preço da cura é, simplesmente, alto demais. E, por enquanto, ainda não sabemos como conseguir identificar esses pacientes”.

Para Ruth Ladenstein, esta “é uma preocupação real que requer uma mudança urgente e que advém do facto dos medicamentos mais amplamente usados ​​não terem sido testados exaustivamente em ensaios formais em crianças”.

“Não se trata apenas da doença ou do tipo de cancro. Tem tudo a ver com a dosagem do fármaco e dos efeitos que essa dosagem tem nos nossos pacientes”.

  1. Para acelerar os tratamentos para o cancro infantil, os cientistas devem trabalhar em conjunto com quem desenvolve novas terapias para adultos

Hoje em dia, a maioria dos pacientes cura-se por via de medicamentos convencionais ou de cirurgia, mas “os desenvolvimentos a que temos assistido, como a imunoterapia, são motivo de otimismo”.

Ruth Ladenstein fez parte da equipe que desenvolveu uma imunoterapia que aumentou a taxa de sobrevivência em mais de 20% para pacientes com neuroblastoma, uma forma rara de cancro infantil que se desenvolve a partir de células nervosas imaturas.

“Ainda temos muito que percorrer, mas a introdução da imunoterapia no tratamento do neuroblastoma foi um grande passo em frente”.

Segundo Ruth, “uma forma de acelerar o ritmo das investigações para a criação de novos tratamentos é trabalhar ao lado de cientistas que descobriram novos mecanismos de ação para tratar pacientes adultos”.

A cientistas deu o exemplo recente de um tratamento para o cancro do pulmão, que pertence a uma família de medicamentos chamados inibidores de ALK, que mostrou conseguir ajudar a tratar alguns pacientes pediátricos com neuroblastoma.

“Temos que ser mais inteligentes. Se tentarmos extrapolar modos de ação semelhantes podemos, de uma forma potencial, beneficiar do desenvolvimento comum num estágio bastante inicial”, afirma Ruth.

Fonte: Horizon Magazine

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