Uma equipa de cientistas da Universidade do Texas, em conjunto com a Baylor College of Medicine e com Texas Children’s Hospital, todos nos Estados Unidos, desenvolveram uma nova forma de detetar e monitorizar com maior precisão um tipo comum de cancro cerebral pediátrico, o que poderá dar aos profissionais de saúde uma visão em tempo real de como o cancro responde aos tratamentos a que é sujeito.
O meduloblastoma, o tumor cerebral mais comummente encontrado em crianças, é atualmente diagnosticado com base em sintomas clínicos, exames de ressonância magnética e biópsias.
Depois de diagnosticado, este tipo de cancro é monitorizado por meio de ressonâncias magnéticas de rotina para medir as mudanças físicas no tumor.
Os médicos também realizam repetidas punções lombares de forma a recolherem líquido cefalorraquidiano, que é testado para a presença de células tumorais.
“Se não existirem células tumorais no líquido cefalorraquidiano, os médicos acreditam que o seu tratamento está a ser eficaz e continuam com os seus planos de tratamento. No entanto, muitas vezes existem inconsistências entre os resultados do teste do líquido cefalorraquidiano e o resultado final do paciente”, explica Jia Li, docente na Universidade do Texas e principal autora do estudo.
Assim, e de acordo com a investigadora, “é altamente desejável ter uma forma mais sensível de estimar e monitorizar sistematicamente a resposta do tumor após o tratamento e, ao mesmo tempo, detetar com segurança a probabilidade de recidiva antes que ocorram mudanças anatómicas evidentes no tumor, que são observadas através de ressonâncias magnéticas ou por tomografias computadorizadas”.
Por outras palavras, os médicos querem ser capazes de monitorizar o estado do tumor nos pacientes para que possam intervir o mais cedo possível, caso existam evidências recidiva.
A biópsia líquida – o método de deteção de ADN do cancro ou outros biomarcadores de doenças em fluidos corporais como o sangue – é cada vez mais utilizada para monitorizar cancros em adultos; esta técnica é uma forma relativamente não invasiva de avaliar a progressão do cancro, a resposta à terapia e a recidiva. A tecnologia atual deteta mutações genéticas associadas ao cancro no plasma.
No entanto, a utilização desta abordagem torna-se mais desafiante em cancros cerebrais pediátricos, uma vez que estes tipos de cancro costumam ter muito poucas mutações. De acordo com os cientistas, os cancros cerebrais pediátricos podem ser descritos como “geneticamente brandos”, o que significa que não abrigam um grande número de mutações no próprio ADN.
Em vez disso, os tumores cerebrais pediátricos apresentam frequentemente alterações epigenéticas; ou seja, em vez de, nas células cancerígenas, o próprio ADN ser alterado por mutação, o que acontece é que alguns genes críticos são ativados ou desativados por alterações epigenéticas que regulam a sua atividade.
A presença de anomalias epigenéticas em cancros cerebrais pediátricos levou a equipa de pesquisa a raciocinar que os marcadores epigenéticos em fluidos biológicos, como o líquido cefalorraquidiano, poderiam ser uma forma eficaz de detetar e monitorizar esses tipos de cancro.
O outro problema com o uso de biópsia líquida para estes tipos de cancro prende-se com o facto do de que o ADN do tumor cerebral dificilmente ser detetável no plasma por causa da barreira hematoencefálica, que impede que o ADN do tumor cerebral seja libertado na corrente sanguínea.
Em contraste, o líquido cefalorraquidiano interage com células tumorais cerebrais no sistema nervoso central e pode ser usado para biópsia líquida. No entanto, o líquido cefalorraquidiano contém quantidades extremamente baixas de ADN, o que dificulta a sua análise.
Os cientistas desenvolveram um novo método para contornar esse problema e criaram perfis de metilação do ADN em todo o genoma a partir de quantidades muito baixas de ADN no líquido cefalorraquidiano; para isso, usaram amostras de líquido cefalorraquidiano obtidas de um biobanco desenvolvido por médicos do Texas Children’s Hospital ao longo de 20 anos.
“As células tumorais presentes no líquido cefalorraquidiano degradam-se durante a circulação, mas o ADN dura muito mais do que as células, e assim o ADN tumoral livre de células (ctDNA) pode ser encontrado nas amostras do biobanco”, explicaram os cientistas deste estudo, publicado na revista Science Advances.
Os investigadores desenvolveram um método experimental e computacional para analisar esse ADN; os resultados revelaram que a metilação do ADN pode ser detetada no ctDNA do líquido cefalorraquidiano, servindo como um potencial biomarcador para relatar o status do tumor do meduloblastoma, permitindo, desta forma, um melhor prognóstico.
“Essencialmente, esta é uma forma totalmente nova de detetar a metilação do ADN no ADN circulante e usá-lo para deteção e quantificação de biomarcadores em casos de cancro infantil”, explicou Peter Davies, coautor do estudo.
Eventualmente, esperam os cientistas, esta pesquisa levará ao desenvolvimento de um “kit de biomarcadores que os médicos poderão usar para monitorizar pacientes pediátricos com tumores cerebrais. Apesar de ainda serem precisos muitos mais estudos, acreditamos que estas descobertas geraram muito interesse por parte dos médicos e são promissoras para aplicação clínica”.
No artigo publicado, os cientistas afirmam que o “biobanco desenvolvido é um recurso inestimável”.
Mais do que isso, fizeram questão de agradecer a todos aqueles que participaram na criação deste biobanco, “uma vez que todas as amostras foram doadas por pacientes”.
Fonte: Eurekalert