Investigadores da Universidade do Michigan, nos Estados Unidos, identificaram uma nova abordagem de tratamento para um tipo agressivo de cancro cerebral pediátrico, usando terapias já anteriormente aprovadas.
“As nossas descobertas têm um potencial de aplicação imediata, o que é algo muito empolgante”, explicou Maria Castro, professora de Neurocirurgia e de Biologia Celular na Universidade.
Liderada por Maria Castro, uma equipa de cientistas desenvolveu um modelo de animal com glioma pediátrico com uma mutação de histona chamada de H3.3-G34. A mutação é vista em cerca de metade das crianças com este tipo de cancro.
Ao observarem estas cobaias, os cientistas foram capazes de estudar a biologia do tumor na presença de um sistema imunitário funcional, o que revelou uma perspetiva promissora para a sobrevivência a longo prazo.
Os tumores com a mutação H3.3 apresentam um defeito na forma como reparam o ADN, o que significa que os tumores são mais responsivos à radioterapia, um tratamento que funciona danificando o ADN. Em combinação com cirurgia, a radiação tem sido a terapia padrão para o glioma pediátrico de alto grau.
A descoberta também sugeriu a sinergia do efeito ao emparelhar a radiação com um inibidor de pequenas moléculas que prejudica ainda mais a resposta ao dano do ADN – os cientistas testaram essa descoberta em culturas de células humanas e ratos usando pamiparib, um inibidor de PARP que demonstrou atravessar a barreira hematoencefálica.
“Se combinarmos pequenas moléculas que inibem o reparo do ADN com a radioterapia, a radiação torna-se muito mais eficaz. Vimos que essa abordagem não apenas melhorou a sobrevida média dos animais, como também nos deu sobreviventes a longo prazo”, disse outro dos cientistas envolvidos, Santiago Haase.
Publicado no Journal of Clinical Investigation, o estudo também mostrou que, quando os cientistas injetaram outro tumor nas cobaias que receberam o tratamento combinado e se tornaram sobreviventes a longo prazo, 80% dos animais foram capazes de eliminar o novo tumor sem qualquer tratamento adicional – isso sugere a existência de uma “memória imunitária”, que pode ser crucial na prevenção de recidivas.
“Esta observação é muito importante. Este tumor em particular muitas vezes pode ser removido com cirurgia, mas cerca de um ano depois, o tumor volta – e é isso que mata o paciente. Ao combinar a radiação com uma pequena molécula que inibe o reparo do ADN, não apenas eliminamos a massa tumoral primária, como também fomos capazes de criar uma ‘memória imunitária’ que foi capaz de proteger estes animais de recidiva”, disse Maria Castro.
Anteriormente, um ensaio clínico testou um inibidor de PARP diferente em glioma pediátrico de alto grau, mas foi interrompido devido à fraca resposta. Os cientistas analisaram o inibidor usado, o veliparib, e descobriram que ele não era tão eficaz quanto o pamiparib em atravessar a barreira hematoencefálica. Além disso, não foi tão eficaz em eliminar as células tumorais. Quando testado em modelos animais, o veliparib não forneceu quaisquer benefícios de sobrevida em combinação com radiação.
“Este é um belo exemplo de como a medicina de precisão pode funcionar. Quando podemos fazer o perfil molecular de tumores, isso pode mostrar-nos qual a terapia a implementar em relação às mutações que as células tumorais abrigam. O mesmo tratamento pode não ser útil para todas as pessoas”, disse Pedro Lowenstein, outro dos cientistas envolvidos.
Na tentativa de irem ainda mais longe, os cientistas também observaram fragmentos de ADN fora do núcleo da célula no citoplasma, um fenómeno incomum que sugere infeção viral ou dano celular – ao fazerem-no, descobriram que o ADN no citoplasma estimula uma via chamada STING, que atua como um alarme para o sistema imunitário, sinalizando que algo está errado.
“A via STING foi ativada nessas células tumorais, o que sugere outro novo ângulo terapêutico pelo qual podemos tratar estes tumores, que está a bloquear a via STING”.
A mutação H3.3 é rotineiramente rastreada em pacientes pediátricos com cancro; além disso, todas as terapias testadas já são aprovadas pelo regulador de saúde norte-americano (FDA).
Os cientistas estão agora a trabalhar de forma a conseguirem traduzir as suas descobertas em dois ensaios clínicos.
Fonte: Science Daily