A realidade do cancro infantil é muito diferente daquilo que imaginamos

Eu faço parte de um grupo de apoio para pais de crianças com cancro.

Todas as semanas recebemos muitos pedidos de pessoas que querem entrar no nosso grupo, e todas as semanas ouvimos histórias iguais às nossas, de quando os nossos próprios filhos foram diagnosticados.

Pela nossa experiência, os pais – na maioria das vezes mães – são mandados embora por clínicos gerais que, muitas vezes, não têm a consciência necessária para encaminhar a criança para testes que definiriam, de uma maneira ou de outra, o que deve acontecer a seguir.

Dizem-nos que somos ansiosos, neuróticos, hormonais, somos questionados sobre os nossos hábitos, os nossos níveis de stress, os nossos outros filhos, a nossa ansiedade, os nossos relacionamentos, dieta, sono, trabalho e dívidas…

A criança infeliz com os sintomas é simplesmente o “destinatário das nossas projeções”, o que torna ainda mais difícil de digerir quando, eventualmente, somos encaminhados e informados de que “o diagnóstico precoce pode fazer a diferença” em tons que sugerem que não estivemos atentos ao que se passava com os nossos filhos.

Depois temos que dar a notícia para a família, empregador, escola ou qualquer outra pessoa que precise de saber sobre a nossa situação; sobre que, por um período não específico, podemos não estar disponíveis. As reações são muito distintas, algumas de solidariedade outras hostis, e estas últimas são geralmente baseadas em imagens de meninos e meninas carecas e sorridentes que aparecem na televisão, e na muito citada estatística “80% sobrevivem”.

Mas o que as pessoas se esquecem é que isso também quer dizer que 20% das crianças não sobrevive, o que, no caso do Reino Unido onde 10 a 11 crianças por dia são diagnosticadas com cancro, significa que, por dia, duas crianças morrem.

E depois também existem suposições amplamente divulgadas e muitas vezes incorretas: “as crianças não têm um ‘cancro de verdade’”; “pelo menos não terão de fazer a quimioterapia dos adultos”; “a medicina agora cura tudo”, e outras declarações verdadeiramente erradas, feitas por pessoas que, apesar de sem maldade, nunca tiveram de enfrentar este flagelo.

As crianças têm cancros de verdade, completos e correm risco de vida. É verdade que não fazem a mesma quimioterapia que os adultos, mas isso é porque os cancros das crianças são muito diferentes dos cancros dos adultos.

Existem tantos tipos de cancro, mais de 200 dizem, muitos são específicos por idade: algumas crianças nascem com a doença, outras desenvolvem-na quando são muito pequeninas, até aos 14 anos de idade, na adolescência ou até aos 24 anos.

Como as crianças crescem tão rapidamente, os seus cancros são de crescimento mais rápido e mais agressivo do que cancros semelhantes em adultos.

Considera-se que a quimioterapia infantil começa com <80% da dose segura para o IMC, enquanto um adulto inicia o tratamento a 20% da dose máxima segura; na verdade, é calculado usando a área de superfície do paciente, embora as crianças ainda recebam uma dose proporcionalmente maior. Margens para erro ou ajuste são pequenas.

Pior, devido aos avanços nos tratamentos direcionados de cancros em adultos, imunoterapia e fármacos recém-desenvolvidos, existe uma suposição de que as crianças estão a beneficiar da mesma ciência, portanto não há necessidade de pesquisas específicas para os seus cancros – o que é, simplesmente, errado.

Alguns medicamentos desenvolvidos para um tipo de cancro em adultos acabaram por ser eficazes no tratamento de cancros infantis, muitas vezes completamente diferentes. Mas não sabemos quantos poderiam ser usados para tratar os nossos filhos, porque as empresas farmacêuticas não sentem a necessidade de testar um fármaco para o seu potencial para tratar um cancro diferente daquele para o qual foi especificamente desenvolvido. Todos os medicamentos desenvolvidos para cancros de adultos deviam ser testados para o uso em crianças e adolescentes, mas como muitas vezes há pouca, ou nenhuma, correlação entre cancros de adultos e de crianças, muitas empresas farmacêuticas não querem abrir uma brecha que lhes permita errar.

Nos últimos 30 anos, foram feitos grandes avanços no tratamento do cancro em adultos, mas há crianças que continuam a ser tratadas com medicamentos desenvolvidos nos anos 60, 70 e 80. O desequilíbrio é horrível, assim como o tratamento, que, longe de ser direcionado para o alvo, é, por vezes, o equivalente médico a um bombardeamento.

Alguns, como o meu filho, não morrem de cancro mas dos efeitos do tratamento e, portanto, as suas mortes não são registadas como mortes por cancro, o que distorce algumas das estatísticas que muitos ficam felizes em citar. Para algumas crianças, o cancro não tem tratamento algum: 80% é uma média, tomada em todo o espetro de cancros que afetam 3 grupos etários distintos, do nascimento aos 24 anos, de crianças que sobrevivem cinco anos após o término do tratamento. Elas podem fazê-lo com deficiências ao longo da vida e com o risco constante de cancros secundários e recaídas, e para ser clara, se morrerem no sexto ano pós-tratamento, eles ainda contam como “sobreviventes”.

E é por questões como estas que neste mês de setembro se celebra o mês da consciencialização para o cancro infantil, o “Setembro Dourado”, onde, para além de se oferecer um maior apoio e aconselhamento, se pressiona por uma maior preocupação que leve a que estas crianças tenham um futuro.

Texto redigido por Louise Lear, ativista dos direitos de crianças com cancro no Reino Unido

Este artigo foi úlil para si?
SimNão
Comments are closed.
Newsletter