A nova e ambiciosa investigação que quer salvar a vida de crianças e adolescentes com cancro

“O cancro continua a ser a principal causa de morte por doença em crianças e jovens no Reino Unido”.

É desta forma que a Cancer Research UK começa por lembrar as pessoas da necessidade “gritante” de dar cada vez mais prioridade à investigação na área da oncologia pediátrica.

Recentemente, a instituição falou com Christine Harrison, médica e vencedora (juntamente com a sua equipa de pesquisa) da primeira edição do Cancer Research UK–Children with Cancer UK Innovation Award, uma iniciativa que distinguiu cinco investigações, fornecendo-lhe um “muito necessário” financiamento e que faz parte da nossa estratégia da Cancer Research UK para dinamizar a investigação na área da oncologia pediátrica.

Desde sempre que Christine Harrisson se dedicou a explorar as anomalias cromossómicas em cancros de crianças e jovens.

Juntamente com os seus colegas da Universidade de Newcastle, no Reino Unido – o biólogo Jonathan Higgins e o oncologista pediátrico Steve Clifford – Christine levou a cabo uma investigação que visa compreender os mecanismos que causam aneuploidias em cancros pediátricos.

“Começámos este projeto não apenas para termos uma melhor compreensão de como esses mecanismos funcionam, mas também, em última análise, para identificar potenciais oportunidades terapêuticas que, caso sejam aplicadas precocemente, podem prevenir o desenvolvimento de alguns tipos de cancro”, explicou a investigadora.

Um verdadeiro “enigma cromossómico”

As anomalias cromossómicas foram uma das primeiras características descritas em células cancerígenas; mas, apesar de grandes debates científicos, ainda não se chegou à conclusão se a aneuploidia – um desvio no número de cromossomas – é uma causa ou consequência da doença.

“É quase como a questão de quem nasceu primeiro: se o ovo ou a galinha”, diz Christine.

“Eu acho que a aneuploidia dá origem ao cancro, e que existe algo que dá origem à aneuploidia. A grande questão é: existe um fator predisponente que inicia a aneuploidia? Foi isso que nos propusemos descobrir nesta investigação”.

Este projeto científico vai juntar a experiência de Christine em casos de leucemia linfoblástica aguda e a experiência de Steve Clifford em meduloblastoma – ambas as doenças são caracterizadas por aneuploidia; já Jonathan Higgins irá fornecer informações essenciais sobre as causas das aneuploidias, em particular do cromossoma 21, no caso da leucemia linfoblástica aguda, e do cromossoma 7, no caso do meduloblastoma.

Um dos primeiros objetivos será identificar quaisquer fatores genéticos que conferem uma predisposição à má segregação cromossómica – um erro na divisão celular que pode fornecer a ligação genómica para a causa da aneuploidia.

A chave para essa identificação reside, esperam os investigadores, num extenso banco de dados de amostras sequenciadas de pacientes.

“Recolhemos grandes conjuntos de dados de estudos genómicos, uma vez que temos vindo a trabalhar em estreita colaboração com colegas nos Estados Unidos, Japão e China. A mineração desses dados vai-nos permitir detalhar alguns fatores predisponentes que podemos testar”.

Assim que a equipa tiver identificado quaisquer ligações genómicas predisponentes para a aneuploidia, os cientistas planeiam examinar qual o seu efeito na divisão celular em células cultivadas em laboratório – algo que, segundo Christine, “ainda ninguém fez”.

Apesar de, teoricamente, parecer simples, na prática existem muitos desafios. Ainda assim, segundo os cientistas, o menor dos seus problemas é o facto de a biologia do cancro raramente ser “limpa e organizada”.

“Não acreditamos que isto se deva a um único gene defeituoso no cromossoma 21 e sim a uma combinação de genes. Mas não sabemos que combinação é essa, pelo que vamos ter de utilizar três ou quatro genes e inseri-los nas células, para podermos observar de que forma essas células se comportam”.

A ajuda dos cromossomas artificiais humanos (HACs)

“O truque”, diz Christine, “é criar essas construções de expressão multigénica e depois distribuí-las em linhas celulares; para fazermos isso, vamos utilizar cromossomas artificiais humanos (HACs)”.

Desenvolvidos pela primeira vez há quase 30 anos, os HACs são moléculas de ADN criadas artificialmente – “na verdade, são mini-cromossomas” – que permitem a entrega e a expressão de genes humanos completos de qualquer tamanho em células humanas in vitro.

É essa capacidade de transportar uma carga genética pesada, incluindo quaisquer elementos reguladores, que é vital para importar as combinações de oncogenes candidatos que a equipa deseja examinar. Como não exigem integração nos cromossomas do hospedeiro, os HACs também evitam problemas de mutagénese de inserção. Essas vantagens sobre os vetores virais permitirão que a equipa crie os mais importantes ensaios funcionais para monitorizar o crescimento e a sobrevivência da linha celular.

“É muito bom encontrar um gene relevante – mas precisamos de saber como é que ele funciona e qual o seu papel dentro do doença”, diz Christine.

“Ao transformar os nossos genes de predisposição em células vivas em cultura usando HACs, podemos observar o seu comportamento. Tecnicamente é muito desafiador, mas eu acho que é possível”.

A entrega e a expressão de oncogenes candidatos podem revelar até que ponto a aneuploidia nesses tipos de cancro – e possivelmente em outros – depende de vários genes condutores.

“Se pudermos mostrar que não é um único gene que impulsiona a doença, acredito que isso será válido para vários tipos de cancro. Se atingirmos esse objetivo para aneuploidia em casos de leucemia linfoblástica e meduloblastoma, não vejo razão para isso não se verificar em outros cancros que têm aneuploidia como parte da sua constituição genética.”

Para Christine, se a equipa descobrir a combinação certa de genes, que causa a aneuploidia observada nesses cancros infantis, há uma nova esperança de que esta descoberta leve à criação de novas abordagens terapêuticas.

“Manipular a divisão celular de células cultivadas com base na composição genética de pacientes com cancro individuais pode tornar possível descobrir um mecanismo preventivo. Se pudermos encontrar terapias que tenham como alvo essas combinações de genes, podemos potencialmente erradicar as células que os carregam”.

No entanto, quando se trata de prevenção de cancro, Christine sabe que a ambição precisa de ser pareada com muito pragmatismo.

“Obviamente, é muito difícil prever a prevenção do cancro, mas se pudermos começar a entender como é que a doença se desenvolve, podemos, pelo menos, acreditar ser possível fornecer a deteção precoce”.

Uma vez que a “deteção precoce do cancro é vital para melhorar os resultados dos pacientes”, a equipa espera poder refinar a classificação de leucemia linfoblástica aguda e meduloblastoma para melhorar a estratificação de risco e, consequentemente, o tratamento.

Diferentes anomalias cromossómicas podem prever de que forma uma criança responderá ao tratamento, o que significa que há um valor prognóstico real em entendê-las.

O grande desafio

A leucemia linfoblástica aguda infantil é um bom exemplo de alguns desafios específicos relacionados com o cancro pediátrico. Embora até 90% dos casos possam ser tratados, esse tratamento costuma ser tóxico, com numerosos efeitos secundários a longo prazo.

Uma abordagem preventiva baseada no trabalho de Christine pode levar a práticas clínicas de mudança de vida para pacientes jovens que são diagnosticados com a doença, especialmente se a recidiva com aneuploidia puder ser evitada.

Se forem bem sucedidos, os investigadores serão os primeiros a aplicar um modelo de expressão de múltiplos genes à análise funcional de leucemia linfoblástica aguda e meduloblastoma, podendo ser capazes de identificar alvos específicos da aneuploidia para um tratamento eficaz.

“O nosso plano é muito ousado. E, como todas as investigações que são ousadas, pode ter um potencial incrível, mas também pode ser um grande fracasso”.

“Mas isso”, afirma Christine, “faz parte de se ser um investigador. Neste meio, para termos sucesso, temos que saber aceitar e enfrentar os fracassos que nos aparecem ao longo do caminho. Se tenho uma ideia que eu acho que é boa, eu vou querer colocá-la em prática – e para este projeto tenho o apoio de uma equipa fantástica”.

Fonte: Cancer Research UK

Este artigo foi úlil para si?
SimNão
Comments are closed.
Newsletter