A falta de apoio de saúde mental na área da oncologia pediátrica: “isso tem de mudar”

Quando, aos 2 anos, Jamie foi diagnosticado com cancro, a vida da sua mãe, Nicky Sherlock e de toda a sua família mudou por completo.

Habituados a viver no campo, Jamie e Nicky viram-se forçados a mudar-se para a cidade, onde só ali o menino poderia receber tratamentos.

“O Jamie sempre foi um rapaz do campo, daqueles que acordava de madrugada para ir ver os animais com a avó. Nunca tinha estado doente e, de repente, começou a queixar-se de dores de barriga, a perder o apetite e a dizer que se sentia muito mal”, recorda Nicky.

Apesar de os médicos terem garantido a Nicky que Jamie tinha apenas problemas intestinais e amigdalite, a intuição desta mãe disse-lhe que algo mais se passava. A insistência por mais exames levou a que Jamie fosse diagnosticado com leucemia, em setembro de 2019 – menos de uma semana depois, o menino estava a ser submetido a um agressivo tratamento no Hospital Infantil de Perth, na Austrália.

“A partir do momento em que entrámos naquele hospital, a nossa vida passou a ser um turbilhão de coisas a acontecerem todas ao mesmo tempo. Eu e ele ficámos sozinhos naquela cidade. Eu tive de deixar de trabalhar, o meu marido teve de continuar na aldeia e a minha outra filha ficou ao cuidado dos avós. De repente, tudo mudou”.

A cerca de duas horas de viagem de casa, Nicky sentiu que, embora estivesse a fazer aquilo para apoiar o seu filho, estava a falhar como mãe da sua outra filha.

“Todo este processo afetou enormemente a nossa família. Hoje em dia, a minha filha tem ataques de pânico e ansiedade, motivados pelo nosso afastamento. Sente muitos ciúmes do Jamie, porque sente que foi deixada para trás. Nós tentamos explicar-lhe que o irmão, naquela altura, precisava mais de mim, mas ela não entende”.

Já Nicky desenvolveu um transtorno de stress pós-traumático.

“Emocionalmente, sinto-me como um animal encurralado”, conta.

Apesar de tudo isto, não foi oferecido qualquer suporte de saúde mental à família após o diagnóstico de Jamie.

“Nós ficámos praticamente sozinhos”, diz.

Nicky é uma dos cerca de 10 mil pais, filhos e irmãos naturais da Austrália que não têm acesso a qualquer apoio especializado ao nível da saúde mental.

“Na Austrália, temos o melhor atendimento médico para crianças com cancro. Mas ficamo-nos por aí. O foco está na saúde das crianças, nunca pensamos na saúde mental dos seus familiares, das pessoas que passam 24 horas a cuidar delas”, refere Monique Keighery, da Redkite, uma instituição de caridade dedicada a apoiar famílias afetadas pelo cancro infantil.

“Isto significa é que outros impactos criados pelo cancro infantil são renegados para segundo plano. Muitas pessoas sofrem em silêncio porque sabem que não têm direito a qualquer tipo de apoio. E isso tem de mudar”, continua.

A Redkite divulgou o seu relatório, intitulado Hidden Health Crisis, na passada quarta-feira, com base numa investigação feita a mais de 700 pais e cuidadores de crianças com cancro; no relatório, é dito que dois terços das famílias não recebem o apoio emocional e mental de que precisam.

As pessoas que vivem em áreas remotas ou rurais são afetadas de forma desproporcional, sendo que as maiores lacunas foram encontradas após o término do tratamento oncológico ou durante o luto.

“A maioria dos pais sentem-se isolados e cerca de 2 500 irmãos de crianças com cancro não recebem a ajuda de que precisam. Há muitas coisas em que as pessoas não pensam quando uma criança é diagnosticada com cancro – o isolamento, a repentina falta de rendimentos, por exemplo. Isto tudo para além de se ter de cuidar de um filho que está muito doente”, refere Monique Keighery.

A pandemia trouxe níveis de procura sem precedentes para os serviços da Redkite.

“O cancro infantil é uma doença que causa um trauma enorme e que exige um acompanhamento e um apoio especializado. Na Redkite tentamos oferecer esse apoio, ao fornecer uma série de programas criados especialmente para ajudar as famílias que estão numa fase de transição”.

Dois anos depois do diagnóstico, a família Sherlock está novamente junta.

Jamie está agora com 4 anos e tem ainda mais um ano de tratamento pela frente.

Graças à Redkite, Nicky e Jess, hoje com 14 anos, estão ambas a receber aconselhamento psicológico.

Fonte: The West Australian

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