Criada há 30 anos pelas mãos de pais de crianças e jovens com cancro, a Associação Acreditar nasceu para apoiar os doentes e as famílias em momentos de incerteza. Hoje, com o profissionalismo e experiência de quem já passou pelo mesmo, acompanham em todas as fases da doença e para além dela, seja nas Casas Acreditar, nos hospitais ou no domicílio.
A propósito do aniversário da Associação e da inauguração da renovada e alargada Casa de Lisboa, que permite agora receber até 32 famílias, o PIPOP esteve à conversa com João de Bragança, Presidente da Acreditar, que nos falou da evolução do trabalho da Acreditar, ao longo dos anos, da importância do apoio empresarial e dos voluntários, mas também das conquistas legais para os doentes e suas famílias.
PIPOP – Quantas famílias já foram assistidas pela Acreditar ao longo destes 30 anos e como é que as casas de acolhimento têm contribuído para o bem-estar das famílias durante o tratamento?
João de Bragança – É difícil dar um número total com alguma precisão, uma vez que nos primeiros anos a prioridade era, como hoje, a de prestar apoio às famílias, mas sem a capacidade ou a preocupação, que hoje existe, de registar esses apoios. Pelos números médios que temos, e assumindo que nos primeiros anos apoiávamos menos famílias, temos uma estimativa conservadora de 15 mil famílias.
As nossas Casas são equipamentos fundamentais, não apenas do ponto de vista logístico, mas, acima de tudo, do ponto de vista emocional.
É um facto que muitas famílias que vêm de fora dos centros urbanos onde há oncologia pediátrica – Lisboa, Porto e Coimbra – precisariam de um local para ficar durante os períodos de tratamento dos seus filhos, e seria difícil e oneroso encontraram locais adequados para a situação que atravessam. Mas, mais do que esse apoio logístico, nas Casas Acreditar, tanto crianças/jovens, como os seus Pais (ou outros familiares que os acompanham) encontram um espaço de conforto, de segurança, de apoio, de entreajuda. Na verdade, à volta de um fogão de cozinha ou de uma televisão, sentem-se todos iguais, apesar das diferenças culturais. Falam uma linguagem comum, não só porque a doença é igual, mas porque, acima de tudo, têm um vocabulário feito de esperança em dias melhores. E têm uma equipa de voluntários e profissionais que são determinantes para que estes Pais e doentes enfrentem um caminho muito difícil com o máximo de estabilidade e conforto.
PIPOP – Quais são as principais conquistas – nomeadamente iniciativas legislativas – que têm vindo a melhorar a vida das famílias de crianças com cancro?
J.B. – Relativamente a iniciativas legislativas com impacto na vida das famílias de crianças com cancro, faz sentido assinalar três mais importantes:
- A Lei nº71/2009, de 6 de agosto, que cria o regime especial de proteção de crianças e jovens com doença oncológica;
- A Lei nº75/2021, de 18 de novembro, que reforça o acesso ao crédito e contratos de seguros por pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência, proibindo práticas discriminatórias e consagrando o direito ao esquecimento.
- A Lei nº1/2022, de 3 de janeiro, que alarga o período de faltas justificadas em caso de falecimento de descendente ou afim no 1.º grau da linha reta, alterando o Código do Trabalho.
PIPOP – Como é que as parcerias têm ajudado a Acreditar a cumprir a sua missão?
J.B. – Há vários tipos de parcerias: podemos estabelecer parcerias com um determinado grupo / organização para melhorar as condições de Pais/doentes; podem ser parcerias para a produção de um trabalho científico, para a feitura de um livro, para o estudo de um determinado aspeto associado à oncologia pediátrica, para a montagem de uma conferência ou para a alteração de um
a lei.
Há parcerias financeiras que são também determinantes para que a Acreditar prossiga o seu trabalho.
São empresas que nos suportam financeiramente, ou que, dando-nos o seu know-how, permitem que a Acreditar não incorra nessa despesa. Há exemplos muito evidentes destas últimas parcerias, nomeadamente as campanhas do luto parental ou de consignação do IRS, de apoio jurídico ou psicológico, entre outros.
PIPOP – Que inovações/tecnologias foram implementadas ao longo destes anos para melhorar os serviços?
J.B. – O serviço que a Acreditar presta está menos dependente de tecnologias, porque assenta num contacto humano, de proximidade, que nunca será substituído por uma máquina. Talvez hoje, fruto da profissionalização da Acreditar, sejamos detentores de informação mais sistematizada – estatísticas, proveniência das nossas famílias, apoios prestados, maiores necessidades, melhores práticas de associações congéneres. Essa informação, porque nos permite identificar dificuldades, permite-nos, também, ser mais eficiente no serviço prestado, atuando nas áreas onde há mais necessidade.
Por outro lado, sermos detentores de muita informação diversificada – tanto a nível nacional como a nível internacional – permite que nos constituamos interlocutores válidos – quase diria imprescindíveis – de hospitais, decisores políticos, legisladores.
PIPOP – Qual o papel do voluntariado na Acreditar e como tem evoluído ao longo dos anos?
J.B. – O papel do voluntariado é fundamental em qualquer IPSS, e a Acreditar não foge à regra. Antes da pandemia, a Acreditar tinha cerca de 400 voluntários no conjunto dos seus vários núcleos. São pessoas que oferecem o seu tempo para estar nas Casas ou nos hospitais a brincar com as crianças enquanto os Pais usufruem de um tempo para eles, que estão em bancas da Acreditar durante conferências ou encontros para divulgar a associação, ou que ajudam a organizar eventos. São também voluntários que oferecem o seu know-how individual, à semelhança de empresas, mas também – muito importante – os professores que dão apoio a alunos doentes. São ainda voluntários que recebem os Pais na sua primeira consulta nos IPOs e voluntários que passaram pela doença e que dão um testemunho de esperança aos novos doentes.
A evolução do voluntariado acompanha a evolução das atividades da ACREDITAR.
Continua a ser maioritariamente feminino, num misto de pessoas cujas vidas estão mais desocupadas, mas, também, de jovens que, por um motivo académico ou outro, querem ter uma experiência deste tipo.
O papel do voluntariado é, como referido, fundamental. Sem eles a Acreditar não poderia fazer muito do que faz, por limitações óbvias de recursos humanos e financeiros. Mas sem eles a Acreditar também não seria o que é, porque cada voluntário que entra e permanece connosco enriquece-nos.
PIPOP – Quais são os principais desafios que a Acreditar enfrenta atualmente no apoio às famílias? E quais os planos e metas para os próximos anos?
J.B. – Talvez um dos principais desafios que a Acreditar enfrentará num futuro mais próximo será esse mesmo: a identificação do que serão as necessidades das famílias – mas também doentes – a médio prazo.
- Temos uma legislação adequada que proteja adequadamente os Pais, doentes e os sobreviventes?
- Os Pais têm os apoios necessários, nomeadamente os que salvaguardam a sua saúde mental?
- Qual o papel da Acreditar na oncologia pediátrica em Portugal?
- Como é que poderemos constituir-nos como interlocutores privilegiados enquanto voz coletiva de Pais, doentes e sobreviventes?
- Ao nível dos centros de tratamento, o que é o melhor para a nossa comunidade? A forma como estamos organizados, em termos de País, é a mais eficiente? Devemos mudar alguma coisa?
- Como poderemos alterar o processo de diagnóstico e transferência para Portugal, quando necessário, de crianças e jovens dos PALOP?
- Qual o nosso papel na investigação?
- O que falta fazer pelos jovens adultos?
PIPOP – Se pudesse deixar uma nota pessoal acerca da Acreditar e da sua missão, o que seria?
J.B. – Embora tenha tido conhecimento da Acreditar ainda durante a doença da minha filha, em 2001, foi só depois da morte dela, no final desse ano, que fui convidado a fazer parte dos órgãos sociais da associação.
A Acreditar ajudou-me a encontrar um sentido para a vida e para o acontecimento de que fui parte muito próxima.
Através da Acreditar conheci uma realidade – tanto em Portugal, como no estrangeiro – que me ajudou a olhar para a vida e para os outros Pais de uma forma mais solidária, mais atenta. A Acreditar ajudou-me a contar a minha história – e a Acreditar é parte da minha história. E isso, para uns Pais que perdem filhos para o cancro pediátrico, pode ser de uma importância determinante. Sem a Acreditar seria, seguramente, um homem mais incompleto.